domingo, 23 de dezembro de 2012

A Inquisição

Conselho Federal de Medicina Veterinária persegue profissionais que defendem tratamento da leishmaniose
Por Victor Barone  
Fotos: Elis Regina

A cassação do mandato da presidente do
Conselho Regional de Medicina Veterinária
de Mato Grosso do Sul (CRMV-MS), Sibele
Luzia de Souza Cação, oficializado no último dia 17, foi o ápice de uma política de perseguição patrocinada pelo Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) e pelo Ministério da Saúde contra os profissionais que defendem o ratamento da leishmaniose no Brasil. 


O argumento do CFMV é que Sibele defendeu publicamente o tratamento de cães portadores de leishmaniose, além de ter arquivado três pedidos de investigação contra o médico veterinário André Luiz Soares da Fonseca. Membro da Comissão de Leishmaniose do CRMV/MS, professor de Imunologia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), sócio fundador do BRASILEISH - Grupo de Estudos sobre Leishmaniose Animal e doutorando em Doenças Tropicais no Instituto de Medicina Tropical de São Paulo, André Luiz é um dos maiores pesquisadores da doença no País e defensor ferrenho do seu tratamento. Em consequência, tornou-se o principal alvo das ações do CFMV.

“O Conselho Regional foi coagido pelo CFMV a abrir um processo contra mim depois de ter arquivado três. Agora descontaram na Sibele. O CFMV diz que eu faço o tratamento e o divulgo pela internet. Estou divulgando sim. Estou contradizendo o CFMV. Eles dizem que não há tratamento para a leishmaniose, eu digo que tem, e que dá para fazer o tratamento sem violar a portaria do Ministério da Saúde”, afirmou o veterinário.
André Luiz diz que vai enfrentar as consequências de sua convicção profissional na legalidade do tratamento: “Sei que haverá uma perseguição. Tenho plena consciência disso. Tenho também plena consciência de que eu estou agindo com absoluta legalidade. Pode haver uma irregularidade no CFMV, uma perseguição? Não há dúvida. Mas me disponho a enfrentar isso. Também sou advogado, conheço meus direitos e vou me defender”, disparou o pesquisador. 

André Luiz diz que vai enfrentar as consequências de sua convicção profissional na legalidade do tratamento: “Sei que haverá uma perseguição. Tenho plena consciência disso. Tenho também plena consciência de que eu estou agindo com absoluta legalidade. Pode haver uma irregularidade no CFMV, uma perseguição? Não há dúvida. Mas me disponho a enfrentar isso. Também sou advogado, conheço meus direitos e vou me defender”, disparou o pesquisador. 



Sibele, por sua vez, se prepara para entrar com um recurso contra sua cassação: “Eles agiram de forma equivocada. Vou à justiça em busca de reparação. Em meus pronunciamentos acerca da leishmaniose, eu sempre busquei informar corretamente a sociedade sobre as formas de transmissão, prevenção e controle, afirmando que é necessário que o Poder Público tenha ações mais efetivas para tirar a leishmaniose da classificação de zoonose negligenciada. Sobre o tratamento, falei apenas a verdade, fruto de conhecimentos que adquiri ao longo de anos de estudos e participação em seminários, simpósios, palestras, fóruns e congressos”, explicou.

Política do massacre  

De acordo com o CFMV, o posicionamento de Sibele teve como desdobramento uma representação encaminhada pelo Ministério Público Federal do Estado do Mato Grosso do Sul (MPF/MS). Segundo a assessoria de imprensa da entidade, os 27 Conselhos Regionais de Medicina Veterinária do País entendem que o tratamento da Leishmaniose Visceral em animais está efetivamente proibido, pois, atualmente, não existe nenhum medicamento fabricado ou certificado no País que seja eficaz no tratamento e na cura da doença.

O posicionamento da entidade atende à legislação federal, sanitária e criminal; e à determinação do Ministério da Saúde e do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, por meio da Portaria Interministerial n° 1.426/2008, que classifica a eutanásia como único recurso seguro no combate à doença.

Muitos pesquisadores, no entanto, discordam desta política de massacre. Na verdade a Portaria 1429/2008 não proíbe o tratamento do animal, ela proíbe o uso de medicamento de uso humano específico para tratamento da leishmaniose. Para André Luiz isso acontece justamente pela falta de uma visão técnica clara. “Não existe remédio veterinário ou remédio humano, o remédio existe para tratar uma doença, ele age, por exemplo, sobre o DNA do parasita e não sobre o DNA do ser humano, então não tem lógica querer proibir. A Portaria simplesmente veta, em termos, o uso dos medicamentos tradicionais para o controle da leishmaniose”.

Sacrifício não controla a doença. Em novembro de 2011, durante audiência pública promovida sobre o tema na Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara Federal, o presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, Carlos Henrique Nery Costa, apresentou estudos realizados no Espírito Santo, na Bahia e no Piauí que demonstram que não houve diminuição no número de pessoas infectadas por leishmaniose com o sacrifício de cães. Ele recomendou a suspensão do programa de eliminação de cães por falta de evidências da sua efetividade. por leishmaniose com o sacrifício de cães. Ele recomendou a suspensão do programa de eliminação de cães por falta de evidências da sua efetividade. 

André Luiz reforça: “O abate sanitário não é controle adequado para a leishmaniose em lugar algum do mundo. Os trabalhos científicos são claros. A eutanásia não resolve o problema, porque a leishmaniose é doença vetorial. E controle de doença vetorial se faz sobre o vetor, o mosquito. É como a dengue. Se sua esposa chega em casa com dengue, de nada adianta mandá-la para a casa da sogra, pois a causa é o mosquito da dengue, que está na sua casa. O cão com leishmaniose é um indicativo de que há infestação de mosquitos na região. O procedimento correto seria dar tratamento ao cão, fazer a desinsetização do local e um levantamento no entorno para averiguar se há outros animais doentes e focos do mosquito”. 

O doutor em parasitologia pela Universidade de Minas Gerais, Vítor Ribeiro também defende que seja dado o direito aos donos dos cães de optar pelo tratamento. “A eutanásia do cão é realizada na Europa em cima de uma decisão do proprietário, da gravidade da doença do animal, da possibilidade de ele cuidar do animal ou não, mas o tratamento assumido pelo proprietário é altamente viável”, explicou. 

O deputado federal Geraldo Resende (PMDB-MS) apoia esta linha de ação. Ele apresentou o projeto de lei 1738/2011, que prevê o fim da obrigatoriedade de sacrifício de animais infectados pela leishmaniose. De acordo com a proposta, o sistema de saúde pública deve implantar uma política nacional de vacinação e tratamento de animais. “A prática do sacrifício indiscriminado é inaceitável na Europa. Em diversos países existem estudos científicos e mobilização de médicos veterinários e criadores de cães contra esta ação”, explicou.
Segundo o deputado, há diversos protocolos de trabalhos científicos exitosos nesta área: “Além disso, me parece mais racional tratar a exterminar cachorros e gatos. Vamos lutar pela vacinação dos animais, bem como a possibilidade de curar os animais infectados”, propôs.

500 mil cães sacrificados em Campo Grande

Fosse uma solução eficiente, a matança de animais já teria resolvido o problema em Campo Grande. Na capital do Mato Grosso do Sul, a população canina estimada é de 135 mil cães. Destes, calcula-se que 28 mil tenham leishmaniose. “Não é uma epidemia, é uma pandemia causada pela falta de foco do governo”, afirma André Luiz. Estima-se que de 1998 até hoje foram mortos mais de 500 mil cães em Campo Grande. O CCZ local mata em média de 100 a 120 cães por dia. Ainda assim, um levantamento realizado com base em números do Ministério da Saúde aponta que a leishmaniose matou 194 pessoas no estado entre 2000 e 2011.

"Matança indiscriminada de cães com leishmaniose não diminuiu a incidência da doença no Mato Grosso do Sul"

Se há estudos clínicos e pesquisas científicas atestando a possibilidade do tratamento de cães infestados pela leishmaniose, por que o Ministério da Saúde insiste na política de abate sanitário? Para André Luiz, trata-se de uma questão de orgulho: “Essa política foi implantada há mais de 15 anos, mas os resultados não apareceram. E agora, até por uma questão de moral desses técnicos envolvidos, voltar atrás seria reconhecer incompetência. Por isso, por uma questão até de falta de brilho ético, por uma questão até de vaidade e de orgulho, eles não querem voltar atrás nessa decisão, mas eles sabem que o abate sanitário é ineficaz”, acusou.

O “Ricardo Teixeira” da veterinária

O CFMV tem se colocado na linha de frente desta política equivocada. Veterinários que preferiram ter sua identidade preservada disseram à reportagem que o Conselho age como uma camarilha. Seu presidente, Benedito Fortes de Arruda – uma espécie de Ricardo Teixeira da veterinária – está no comando da instituição há 20 anos. “Ele e a patota dele agem mancomunados com o Ministério da Saúde, como um órgão consultivo do ministério. Não representam a medicina veterinária, mas os interesses do Ministério”, afirma um veterinário que pediu para ter sua identidade preservada.

Com a política inquisitória promovida pelo CFMV, a tendência é de que o tratamento, que sempre foi feito de forma velada – e com sucesso - na maioria das clínicas veterinárias, seja interrompido. O resultado não será a diminuição dos índices de infestação da doença, pelo contrário. Muitos tutores, unidos aos seus animais por laços de afeto, vão passar a tratá-los em casa, sem o auxílio de médicos veterinários, o que pode aumentar a disseminação da doença.

“O sacrifício de cães é mais maléfico que benéfico, já que por motivações afetivas ou econômicas, muitos proprietários se recusam a entregar seus animais e os escondem, colocando a população em risco”, diz o deputado Geraldo Resende.

CCZ ameaça tutoresA política de pressão também se abate sobre a população. Em Campo Grande, o CCZ age como uma “polícia sanitária”, usando até mesmo a coação moral para fazer com que tutores entreguem seus cães. Uma das estratégias é ameaçar o cidadão com a aplicação de multas. “Cheguei a receber três ligações do CCZ dizendo que eu seria multada em R$ 15 mil se não entregasse o meu meu cão”, afirma uma tutora que teve seu cão diagnosticado com a doença pelo Centro. Ela, que trata seu animal em uma clínica veterinária, se recusou a ceder. "Não entrego meu cão de jeito algum", garantiu. cão”, afirma uma tutora que teve seu cão diagnosticado com a doença pelo Centro. Ela, que trata seu animal em uma clínica veterinária, se recusou a ceder. "Não entrego meu cão de jeito algum", garantiu.

Na verdade, a multa varia entre R$ 300 e R$ 15 mil e, se de fato fosse aplicada, seria pelo seu valor mínimo. “O que ocorre é uma pressão violenta feita pelo poder público para aplicar a política de extermínio da população canina. É mais fácil matar que tratar. Este equívoco ocorre em todo o País devido à política do Governo Federal”, afirma um veterinário.

Enquanto a estratégia do Ministério da Saúde para o tratamento da leishmaniose canina não sai do obscurantismo, milhares de animais continuarão sendo sacrificados diariamente no País. Um dos pontos de pressão para esta mudança está nas redes sociais onde milhares de cidadãos e entidades de proteção aos animais têm se manifestado contra o abate sanitário.

Salvem o Scooby

Um destes movimentos tenta salvar a vida do cão Scooby, um dos protagonistas do processo que culminou na cassação de Sibele Cação. O caso de Scooby uniu a sociedade campo-grandense na luta contra os maus tratos aos animais e, por tabela, contra o sacrifício de animais com leishmaniose.

Scooby foi amarrado a uma moto e arrastado até o CCZ pelo tutor, que suspeitava que o cão estivesse com a doença. A mobilização da população no Facebook diante de tamanha crueldade salvou a vida de Scooby. Ele recebeu tratamento adequado e os ativistas a promessa do prefeito de Campo Grande, Nelson Trad Filho, de que seria permitida sua adoção pela ex-presidente do Conselho Regional de Medicina Veterinária.

Com a cassação de Sibele, a palavra do prefeito ficou à deriva. O cão foi entregue ao CCZ no último dia 19 e até o fechamento desta edição não havia informações sobre seu destino. Sibele protocolou o pedido de adoção no CCZ e no Ministério Público Federal.

“O relatório final do tratamento do Scooby foi entregue pessoalmente ao prefeito, pela veterinária responsável pelo tratamento, onde foi demonstrada a eficácia do tratamento com todos os exames normais, inclusive pesquisa de parasita negativo. Somente a sorologia ainda permanece reagente, o que é considerado normal pelos especialistas, que afirmam que a sorologia pode levar meses para negativar”, afirmou Sibele.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Presidente do CRMV-MS tem mandato cassado por defender o tratamento de cães com Leishmaniose

O Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) cassou o mandato da presidente do Conselho Regional de Medicina Veterinária em Mato Grosso do Sul (CRMV/MS), Sibele Cação, por causa do posicionamento dela em defender e incentivar o tratamento da leishmaniose visceral canina. A doença também pode atingir os humanos.

Em nota, o CFMV informou que a decisão foi tomada por causa das declarações públicas da ex-presidente da classe em Mato Grosso do Sul. A veterinária Sibele Cação seria a favor do tratamento de animais infectados com leishmaniose.

Até setembro, segundo a Secretaria Estadual de Saúde (SES), foram registrados 278 casos de leishmaniose humana em Mato Grosso do Sul, 14 mortes foram causadas pela doença. Dados da SES mostram que há casos registrados de leishmaniose em mais de 50% dos municípios de Mato Grosso do Sul.

A leishmaniose é uma doença crônica, causada por protozoário leishmania. Comum em cães, é transmitida ao homem por mosquitos flebotomíneos que se alimentam de sangue. Nos cães, os principais sintomas são: fraqueza, queda de pelo, febre e feridas permanentes. Já no ser humano é caracterizada por lesões na pele, podendo também afetar nariz, boca e garganta. Ela também pode afetar o fígado, baço e a medula óssea. Caso não seja tratada pode levar a morte.

A grande polêmica que existe em torno da doença é a maneira como o Ministério da Saúde faz o controle dos animais infectados. Em Campo Grande, o combate a leishmaniose é feito pelo Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) - os agentes borrifam veneno nas residencias para eliminar o mosquito transmissor. Eles também coletam amostras de sangue dos animais e, se o diagnóstico for positivo, é feita uma contraprova e, caso o resultado seja o mesmo, o animal é sacrificado.

A assessoria de imprensa do CRMV/MS informou que não está autorizada a comentar o assunto. A reportagem da TV Morena também tentou falar com a veterinária Sibele Cação, mas não teve retorno.
Confira a nota na íntegra:

“Frente aos questionamentos sobre os motivos que levaram à cassação do mandato da ex-presidente do Conselho Regional de Mato Grosso do Sul (CRMV/MS), o Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) esclarece:

Em agosto deste ano, a presidente do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Mato Grosso do Sul, à época, Dra. Sibele Luzia de Souza Cação, foi a público para defender e incentivar o tratamento da Leishmaniose Visceral Canina, por meio de entrevistas concedidas à imprensa e da divulgação do assunto nos veículos de comunicação interna do CRMV/MS (portal e informativo institucional).

Tal posicionamento teve como desdobramento uma representação encaminhada pelo Ministério Público Federal do Estado do Mato Grosso do Sul (MPF/MS) ao Conselho Federal de Medicina Veterinária. O CFMV e todo o Sistema CFMV/CRMV’s, que compreende os 27 Conselhos Regionais de Medicina Veterinária em todo o País, entende que o tratamento da Leishmaniose Visceral (LV) em animais está efetivamente proibido, pois, atualmente, não existe nenhum medicamento fabricado ou certificado no País que seja eficaz no tratamento e na cura da LV.

O posicionamento institucional do Sistema CFMV/CRMV’s atende à legislação federal, sanitária e criminal; e à determinação do Ministério da Saúde e do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, por meio da Portaria Interministerial n° 1.426/2008, que classifica a eutanásia como único recurso seguro no combate à doença.

Dessa forma e com base nos esclarecimentos citados, o CFMV entende que o posicionamento adotado pela ex-presidente do CRMV/MS contrariou os aspectos técnicos e éticos do tema, vulnerabilizando a sociedade e confrontando o papel institucional e social do Sistema CFMV/CRMV’s. O Conselho Federal entende, ainda, que o Médico Veterinário tem um papel extremamente importante para a saúde humana e deve atuar, também, para garantir a segurança da população.



NOTA

Hoje no Brasil todos os animais com "suspeita" de Leishmaniose devem ser mortos, e o tratamento é proibido.

Não há estudos que comprovem que matar animais resolva o problema, uma vez que a prática da matança acontece há décadas e o índice de casos humanos só tem aumentado.

A Organização Mundial de Saúde NÃO recomenda a eutanásia como forma de controle da doença

Cerca de 48%, dos resultados dos exames atualmente realizados nos cães, tem resultado falso positivo.

O BRASIL É O ÚNICO PAÍS NO MUNDO QUE MATA CÃES COM LEISHMANIOSE... TODOS OS OUTROS TRATAM A DOENÇA

Escreva para o CFMV:

http://www.cfmv.org.br/portal/fale_conosco.php

Prezados Senhores,

Ao contrário do que tem sido divulgado, a OMS e vários pesquisadores questionam a eficácia do sacrifício de animais como medida de combate à doença, visto que mesmo com a matança de animais por sucessivos anos, o número de pessoas infectadas com a doença só tem aumentado.

O Brasil é o único país do mundo que mata animais com leishmaniose como forma de controle da doença. E os resultados globais apresentados pelo Ministério da Saúde denotam que a adoção de tal técnica não tem obtido os resultados esperados.

Passou da hora de discutirmos, de forma ética e responsável, outro caminho a ser tomado em nosso país, desta forma poderemos desenvolver técnicas mais eficazes para diminuir a disseminação da LVC, possibilitando o controle ético e humanitário da doença e o correto tratamento em seres humanos.