segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Após liminar, Ministério reforça veto ao tratamento de cães com leishmaniose

Ministério diz que tratamento contra leishmaniose,
como no caso de Scooby, continua proibido. (Foto: Rodrigo Pazinato)

O Ministério da Saúde reafirmou, nesta sexta-feira (18), que é contra o tratamento de cães com leishmaniose, em resposta à consulta do Campo Grande Newssobre a decisão da Justiça Federal que derrubou portaria sobre o assunto. O órgão informou, por meio de nota, que ainda não foi notificado da decisão e que continuam valendo as regras impedindo o uso de medicamentos para humanos no treinamento da doença em cães.
“Embora a medicação, em uso animal, possa resultar no desaparecimento dos sinais clínicos, os cães continuam como fontes de infecção para o vetor, representando um risco para saúde da população humana e canina”, afirma a nota do Ministério. “Essa prática pode tornar o parasita causador da doença resistente às drogas atualmente disponíveis”, segue o texto.
Ainda conforme o órgão, até o momento, não há produtos registrados eficazes para este tipo de tratamento. O ministério destacou, ainda que o posicionamento está de acordo com recomendações da Organização Mundial de Saúde sobre o assunto.
Nesta quarta-feira (16) uma decisão do TRF-3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região) derrubou a portaria do Ministério da Agricultura que proibia o tratamento de cães com leishmaniose visceral. A ação foi movida pela ONG (Organização Não Governamental) Abrigo dos Bichos e é válida para todo o País.
O Tribunal autorizou o tratamento dos cães com o entendimento de que proibindo a utilização de medicamento humano para tratamento, automaticamente é incentivado o extermínio dos animais. Em Campo Grande, a polêmica reacendeu após o caso do cão Scooby, que sofreu maus tratos, teve a doença diagnosticada, foi tratado, depois voltou ao CCZ (Centro de Controle de Zoonoses), de onde foi retirado ontem, pela Abrigo dos Bichos, graças a uma decisão da Justiça. Havia o temor de que ele fosse submetido a eutanásia.
À medida ainda cabe recurso junto ao STF (Supremo Tribunal Federal) e STJ (Superior Tribunal de Justiça), que pode manter ou não a decisão da instância anterior, mas até um novo julgamento o tratamento está autorizado.
O tratamento é proibido pelo CFMV (Conselho Federal de Medicina Veterinária), que inclusive pune os profissionais que o praticam, como a médica veterinária Sibele Cação que teve cassado o mandato de presidente do Conselho Regional. Sibele defende o procedimento com os animais, sendo uma das defensoras do tratamento do cão Scooby, símbolo da luta dos que defendem o fim da eutanásia dos cães contaminados.
Como a portaria não tem eficácia, os médicos veterinários que fizerem não podem ser punidos, mesmo em caso de derrubada da medida.

Anta, capivara e rato também propagam leishmaniose, diz juiz que soltou Scooby

Cão foi entregue pela Prefeitura à ONG Abrigo dos Bichos
na terça-feira (Foto: Rodrigo Pazinato)

Na decisão do juiz Amaury Kuklinsk, da Vara de Direitos Coletivos, Difusos e Homogêneos, em que determina a entrega do cão Scooby à ONG Abrigo dos Bichos, ele cita que não somente os cães, mas também “homem, anta, capivara e rato” fazem parte do ciclo de propagação da leishmaniose.
Ele cita homens e os outros animais pois eles estão no meio urbano da Capital, e podem ser hospedeiros do protozoário que causa a doença, que não é transmitida no contato animal com animal, e sim pela picada dos mosquitos hematófagos, vetores de transmissão.
Além disso, ele contou que o ato administrativo da Prefeitura, em interromper o tratamento de Scooby e cogitar o seu sacrifício, está totalmente dissociado dos estudos científicos que vem sendo produzidos e aceitos em países como Espanha, França, Itália e Alemanha, que conforme o juiz, tratam seus animais com eficiência.
A decisão ainda revela que as pesquisas mostram que o extermínio de animais é de pouca valia, e que resultados significativos foram obtidos por meio de inseticidas que exterminem o mosquito transmissor.
A Prefeitura de Campo Grande entregou o cão Scooby na tarde desta terça-feira (15) ao Abrigo dos Bichos. O animal ganhou notoriedade depois de ser arrastado pelo dono do bairro Aero Rancho até o CCZ (Centro de Controle de Zoonoses).
Scooby tem leishmaniose e foi pivô da polêmica envolvendo o tratamento à doença. A orientação do Ministério da Saúde é a eutanásia, mas o ex-prefeito Nelson Trad Filho (PMDB) determinou que o animal fosse preservado, depois de uma campanha nas redes sociais.
De acordo com a médica-veterinária e presidente do Abrigo dos Bichos, Maíra Kaviski Peixoto, Scooby será levado para a clínica veterinária onde ficou internado antes der levado ao CCZ para continuar o tratamento da leishmaniose e refazer todos os exames para certificarem a respeito da saúde do animal.
Exames foram feitos no cachorro para verificar a atual situação de saúde dele. Segundo o Abrigo dos Bichos, uma das constatações é a de que ele perdeu 1 kg no período de que foi tirado do tratamento e esteve no CCZ.

Leishmaniose: a doença negligenciada.


A Sociedade de Proteção de Bem Estar Animal – Abrigo dos Bichos de Campo Grande, após apresentar ação judicial perante a Justiça Federal, conseguiu decisão inédita no país, visando a proteção dos animais portadores de leishmaniose.
A decisão proferia em segundo grau, pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região, localizado em São Paulo, entendeu pela ilegalidade da Portaria Ministerial n. 1.426, de 11 de julho de 2008, expedida pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, importando, assim, na suspensão dos efeitos de dita norma.
Vale esclarecer que a Portaria atacada pela ação judicial promovida determinava que o médico veterinário estava proibido de efetuar o tratamento de animais diagnosticados com leishmaniose visceral, apesar da existência de medicamentos humanos para tal finalidade e, ainda determinava a eutanásia, o sacrifício, dos animais assim diagnosticados.
Segundo a decisão proferida, em voto divergente, pelo Des. André Nabarrete, a Portaria Ministerial n. 1.426, de 11 de julho de 2008 é ilegal, pois impede o livre exercício da profissão do médico veterinário, além de ser contrária a proteção constitucional do meio ambiente e da própria pessoa humana, na qual podem ser incluídos os animais, já que seres vivos dotados de sistema nervoso desenvolvido, que lhes confere sentimentos como a dor.
Ademais, na decisão de elevada sabedoria e independência, o Desembargador reconheceu que a matança dos animais infectados é afrontosa à legislações de ordem internacional, como a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, assinada em Bruxelas e admitida pelo ordenamento jurídico brasileiro, pois esta norma impõe a proteção à vida dos animais, tanto decorrentes de maus tratos, quanto da vida digna.
A decisão tem efeitos imediatos de modo que desde logo está proibido o sacrifício de animais que possam ser tratados, seja com medicamento animal, humano ou, ainda, com medicamentos não registrados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,, bem como, fica sem efeito as Resoluções dos Conselhos Regionais que se apoiaram na aludida Portaria.
Importante entender que, apesar disso, é possível que a decisão seja revista, tanto no Tribunal Federal, quanto pelo Superior Tribunal de Justiça ou pelo Supremo Tribunal Federal, já que passível de recurso, os quais, como regra, não terão o condão de inviabilizar a imediata suspensão dos efeitos decorrentes da Portaria Ministerial.
Por todas essas razões podemos dizer que a solução apresentada pelo eminente julgador traduz de modo satisfatório o interesse dos animais e de seus donos, sem afrontar o interesse público, especialmente porque, a eutanásia desses animais não tem o efeito de acabar ou reduzir a incidência da doença, já que centenas foram sacrificados nos últimos anos e os números de contaminação só aumentam.
Outrossim, a afamada decisão importa em maior liberdade na atuação do médico veterinário, garantindo a este profissional importante papel no controle e tratamento da leishmaniose animal, já que este profissional será o responsável pela verificação da possibilidade de tratamento do animal e determinar qual o produto farmacológico mais adequado a cada caso, e garante ao proprietário do animal o direito de escolher a melhor solução para seu dilema: trata ou exterminar.
Diante de tudo isso, notável, independente, e fortalecedora se revela a mencionada decisão por entender que uma Portaria não pode sobrepor-se a vontade decorrente da Constituição Federal, da Convenção Internacional de Bruxelas e das leis de proteção ao meio ambiente, demonstrando, ainda, a importância da atuação do advogado frente a essas situações de caráter jurídico duvidoso, até porque, doravante, constituirá crime o sacrifício indiscriminado de animais, que responderão civil e penalmente por isso.
(*) Por Wagner Leão do Carmo é advogado.

Combate falho faz com que leishmaniose mate mais que dengue

"Tem que pensar na leishmanionse como pensa na dengue:
controlar o vetor", diz André Fonseca (Foto: Rodrigo Pazinato)
 Especialista diz que Poder Público não tem política eficaz para controlar o mosquito transmissor da doença, que nos últimos 11 anos matou mais gente do que a dengue em Mato Grosso do Sul

O Brasil é um dos poucos países no mundo que adota a prática da eutanásia, ou o sacrifício de cães, para controlar a doença leishmaniose visceral (órgãos internos são atacados) transmitida pelo Lutzomyia longipalpis, espécie de mosquito-palha. Porém, tal prática vem sendo questionada pela comunidade científica, que, baseada em dados, vem apontando a ineficácia da ação. Um destes especialistas, e defensor do tratamento em cães diagnosticados com a doença, é o advogado e médico veterinário André Luís Soares da Fonseca, professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS).
Fonseca, assim como outros que defendem o tratamento, não é contra o sacrifício dos animais nas situações onde não há mais alternativa, e sim contra a eutanásia obrigatória, imposta compulsoriamente. Por isso, em 2006 ele entrou com uma ação contra a eutanásia dos cães. Em entrevista ao Campo Grande News, André Fonseca diz que de 1998 para cá foram sacrificados em Campo Grande mais de 500 mil cães e não existe evidência alguma de que estas mortes tenham contribuído para a diminuição do número de casos. Levantamentos mostram que a doença, que antes se limitava a zona rural, começou a invadir grandes regiões, incluindo Campo Grande, ao lado de Belo Horizonte (MG), Bauru (SP) e Araçatuba (SP).
Dados do SINAN (Sistema Nacional de Notificações de Agravos), do Ministério da Saúde, mostram que de 2000 a 2011 a leishmaniose provocou 2.609 mortes em todo País, enquanto a dengue causou a morte de 2.847 pessoas. Mas em nove Estados, a doença leishmaniose matou mais do que a dengue, incluindo Mato Grosso do Sul (juntamente com o PA, TO, MA, PI, CE, PB, BA e MG). Em Mato Grosso do Sul, no período apurado, a dengue provocou a morte de 65 pessoas, enquanto que a leishmaniose causou 194 mortes.
Além de defender o tratamento nos casos em que ainda é possível, Fonseca se mobiliza juntamente com uma vasta rede espalhada pelo País para que o Ministério da Saúde comece a combater de forma eficaz, com políticas públicas, o vetor da doença, o mosquito-palha. Mineiro de Uberlândia, Fonseca formou-se em Veterinária na Universidade Federal de Minas Gerais, tem mestrado pela USP e está concluindo também pela USP o doutorado. Desde 1991 ele é professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), onde leciona Imunologia e Direito Ambiental.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
Campo Grande News - Como o senhor iniciou sua luta em defesa do tratamento dos cães com o diagnóstico da doença e contra a eutanásia obrigatória?
André Luís Soares da Fonseca - Em 2006 eu propus a primeira ação pública na Vara da Fazenda Pública pedindo a suspensão da eutanásia. A primeira instância não deu provimento, mas no Tribunal de Justiça ganhamos por unanimidade para suspender a eutanásia de cães e fazer os devidos exames. O Ministério da Saúde recorreu e o processo foi para a Justiça Federal. Como eu sou funcionário federal [professor da UFMS], não posso militar contra a União e o processo está agora com outros advogados. A sentença desse processo está para sair desde 2009.
Campo Grande News – No último dia 16, o Tribunal Regional Federal, da 3ª Região, derrubou portaria que proibia tratamento dos animais. Mas o Conselho Federal de Medicina Veterinária mantém a proibição.
André Fonseca – Para o Conselho, a portaria [nº 1.426, de 2008] dos ministérios da Saúde e da Agricultura [proíbe o uso de medicamento humano contra a doença] é um documento que deve ser seguido. Só que portaria não é documento, é ato público, individual e administrativo. É um ato interno e não tem efeito legal. A portaria diz que não pode fazer o tratamento usando droga de uso humano. Mas não existe droga de uso humano e uso animal. A droga é a mesma: se empacota com o nome “uso humano” e se empacota com o nome uso “animal”. Não age sobre o organismo da pessoa, age sobre o parasita. A justiça entendeu que uma portaria não pode proibir. Tem que ser por meio de lei. Chamamos isso de inconstitucionalidade reflexa, ou seja, uma norma inferior não pode ir contra uma norma superior. Portaria é uma designação de autoridade para seus comandados. No próximo ano vou lutar por uma vaga no Conselho Federal. Vamos montar um grupo. A justificativa deles é que não existem resultados científicos, que o tratamento não cura. Eles querem um tratamento com cem por cento de cura. Isso não existe. Não existe nenhuma droga com cem por cento de cura.
Campo Grande News - Foi aberto algum processo contra o senhor por parte do Conselho?
André Fonseca - Se tiver denúncia o Conselho abre processo administrativo. Provavelmente vou ser denunciado. Estou nessa briga, mas não tem problema, minha vida é essa. Há dez dias propus uma ação para não ser punido pelo Conselho e estou esperando a decisão do juiz. Estou tratando e não quero ser punido. É uma briga de ideal, não estou preocupado com minha situação de veterinário, estou preocupado é com a saúde humana. Isso que está sendo feito não está funcionando e o pessoal está passando uma imagem de que funciona.
Primeiros casos da doença datam de 1936 (Foto: Rodrigo Pazinato)"Primeiros casos da doença datam de 1936" (Foto: Rodrigo Pazinato)
Campo Grande News - O senhor defende o combate ao vetor, que é o mosquito transmissor da leishmaniose.
André Fonseca – Eles entendem que tratar cachorro não é problema de saúde pública. Só que a leishmaniose é uma doença vetorial. Igual a dengue. Se uma pessoa está com a dengue, a interpretação é a seguinte: tenho mosquito da dengue em casa. Se não controlar o mosquito da dengue [o Aedes Aegypti], vou ter a doença na minha casa. A leishmaniose é a mesma coisa. É uma doença infecciosa, transmitida pelo mosquito [Lutzomyia longipalpis]. Meu cachorro está lá na minha casa, ele está me dizendo: peguei a doença porque no seu quintal tem mosquito contaminado. Eu estou doente e se você não fizer alguma coisa também vai ficar. Então o que você faz? Vai lá e mata o cachorro. A saúde pública não vai ao quintal, não faz a desinsetização. Eles falam que fazem isso, mas não fazem. A recomendação do Ministério da Saúde é só usar o inseticida se houve casos humanos. Se você tiver mil cachorros com a doença na sua rua, não pode usar inseticida.
Campo Grande News - Por que isso acontece?
André Fonseca - Existe um conceito pré-estabelecido que os cachorros são portadores porque os exames são fáceis de fazer. Eles vão duas vezes por ano e tiram o sangue do seu cachorro. Não tiram sangue de você, dos seus filhos. O exame mostra se o animal realmente está contaminado. É um teste de pele, tira um pedacinho da pele do animal ou do ser humano e faz o exame e vê se tem lá um parasita presente. No cachorro você dá uma anestesia e tira um pedacinho de pele. Se fizesse isso no ser humano mostraria que ele tem [o parasita].
Campo Grande News - Como foi que a doença chegou ao Estado?
André Fonseca - É outro conceito errado. Dizem que chegou ao Estado por causa do gasoduto. É mentira. Trabalho científico mostra que no Estado existe leishmaniose descrita desde 1936, com casos de seres humanos doentes. É uma doença negligenciável. Veio pela estrada de ferro de Corumbá. Trouxeram trabalhadores do Nordeste e os homens vêm contaminados pelo parasita. Chegam aqui, encontram o mosquito e começam a disseminar a doença
Campo Grande News - Como ocorre a disseminação da doença?
André Fonseca – Quem tem a doença em curso, dependendo dos sintomas, vai apresentar quantidade X de parasitas na pele. O animal ou ser humano podem não apresentar sintomas, mas cinco por cento daqueles que têm a doença não apresentam sintomas, são assintomáticos, não apresentando sintomas, e tem o parasita na pele. Parte da população não desenvolve a doença, parte desenvolve sintomas discretos, e outra parte é extremamente sensível. Isso é em qualquer tipo de doença, até câncer. Outro fator grave, é que a leishmaniose é doença de transmissão vertical. A cadela contaminada pode parir animais doentes. É o que acontece na AIDS. De cada três partos de mulher com HIV positivo, só um nasce com HIV. Mas o HIV pode ser passado.
Campo Grande News - Quanto tempo leva para a contaminação?
André Fonseca – Da picada do mosquito a alguém contaminado a transmissão leva quatro dias. Nesse período os parasitas se multiplicam. A autonomia de vôo do mosquito é de 200 metros a 2 quilômetros. Ele é muito pequeno e é levado pelo vento. Tem que pensar em leishmaniose como se pensa na dengue, no controle do vetor. O problema é que faltam estudos de base para identificar qual o período que aparece o mosquito, qual o comportamento, quais são os momentos que tenho que fazer o controle. Em Campo Grande tem duas leishmanioses: a visceral e a tegumentar, que causa uma úlcera na pele, só na ferida vai ter o parasita. Diferentemente da visceral que pode ser em qualquer parte. Irá depender dos sintomas: quantos mais sintomas mais parasitas. A sorologia confunde porque não existe exame que diferencia.
Campo Grande News - O que a saúde pública poderia fazer?
André Fonseca - Falta política inteligente de saúde pública. Quando falamos de controle de vetor [o mosquito], o pessoal da saúde pública acha que o controle é sair passando veneno dez vezes por dia. Não é isso. Não vai funcionar. A primeira coisa a fazer é um levantamento entomológico. Entender qual é o comportamento, qual o período do ano em que tem mais mosquito da leishmaniose. O mosquito tem uma temperatura ideal, umidade e clima ideais. Eles crescem bem em 26 graus, que é a temperatura média de Campo Grande. Campo Grande é o habitat natural porque tem a temperatura ideal do mosquitinho.
Campo Grande News - Basicamente o senhor defende tratamento no animal e a melhor detecção da doença.
André Fonseca - Que o ministério adote medida técnicas, científicas e eficazes. Faz dez anos que eles matam cachorros em Campo Grande sem resultados. O que a gente pede em juízo é isso: você está falando que funciona, então mostra. Matou duzentos cachorros e a doença diminuiu. Se você falar isso não vou ter argumento, agora se você mata 20 mil e o número de casos aumenta, eu vou discutir.
Campo Grande News – O senhor já conversou com alguém na Secretaria de Saúde?
André Fonseca - Quero conversar com o novo secretário. Vamos pegar um bairro e fazer a sorologia nas crianças. Vou dizer: você vai parar de matar cachorro e vamos fazer tratamento precoce e levantamento entomológico. Estudar o comportamento do mosquito, saber qual o período do ano que aparecem mais em Campo Grande. A gente não sabe isso. Se soubesse qual o período principal, onde estão os ambientes, poderia fazer uso eficaz do repelente. Em Santa Catarina tem um trabalho muito interessante. Lá tem outra leishmaniose, que não é a visceral, é a tegumentar. Fizeram o levantamento e descobriram que tinha uma grande quantidade de mosquito na primeira quinzena de fevereiro, nos outros meses não, desapareciam. Então o que fizeram? Borrifaram apenas nesse período.
Queero conversar com o novo secretário de Saúde sobre a doença (Foto: Rodrigo Pazinato)"Queero conversar com o novo secretário de Saúde sobre a doença" (Foto: Rodrigo Pazinato)
Campo Grande News - O senhor dispõe de dados de Campo Grande fornecidos pela saúde pública?
André Fonseca – Esse é o problema. A saúde pública não libera estes números porque os dados são contra ela. Ela esconde os dados verdadeiros. Existe um calculo feito por um profissional da área que em Campo Grande, desde 1998, já foram eutanasiados mais de 500 mil cães.
Campo Grande News - Com a justificativa da leishmaniose.
André Fonseca – Exatamente. Com essa desculpa eles matam 500 mil. Não estamos contra a Secretaria de Saúde. Acontece que saúde é obrigação de Estados, Municípios e União. Não existe hierarquia em saúde pública. A União não manda no Estado e os municípios podem fazer o que quiser. Mas chega a União e diz: Município, vocês estão com um problema de leishmaniose e eu tenho um programa legal. É o seguinte: vou te dar 10 ambulâncias, hospital, laboratório, mas vocês têm que matar cachorros. Tudo bem? Tudo bem...Campo Grande não é obrigado a fazer isso, mas ela optou porque ninguém quer gastar dinheiro com isso. Nossa briga é contra o ministério porque isso não funciona. O que está acontecendo é crime ambiental. Nosso foco não é proteger o cachorrinho, pra deixar a pessoa doente. Estou querendo fazer a coisa certa. A ciência mostra que não funciona matar o cachorro e só o Brasil faz isso. Se todo mundo está fazendo o contrário, alguma coisa está acontecendo. Ou nós temos a verdade e o mundo não tem; os ingleses, franceses, portugueses não sabem de nada. Nós sabemos a verdade, ou então a gentes está errado.
Campo Grande News - Sem o acesso a estes dados, qual é o caminho?
André Fonseca - Por meio de ações. Se o senhor está falando que eu estou fazendo errado, mostra os seus dados. O senhor tem informações que eu não tenho. Na ação de 2006 pedi para que se junte aos autos as provas. Matar cachorro funciona? Quantos mil você já matou e qual foi a redução nos casos? Tenho outras ações pedindo para fazer importação de medicamentos para tratamento. Faço um trabalho voluntário, atendo os animais nas casas das pessoas.
Campo Grande News - Na ação que o senhor propôs qual foi à argumentação do poder público?
André Fonseca – Eles falaram que faziam o controle com inseticida. Então eu disse: junte ao processo as notas fiscais que mostram que você está recebendo inseticida. Os trabalhos científicos mostram que para cada caso humano que aparece na cidade, você tem 480 casos caninos. A pergunta é: Por que o cachorro fica tão doente? É porque ele é de comportamento externo. Você entra na tua casa, fecha a porta e ligar o ar ou o ventilador, e o mosquito não gosta de vento. O cachorro fica lá fora, está sendo picado o dia inteiro. Nem todos os cachorros ficam doentes. Em alguns a doença fica incubada e pode levar de dois a oito anos para manifestar a doença. Lá no futuro, a fêmea incubada vai parir cachorros contaminados.
Campo Grande News - O principal problema é a falta de detecção da doença?
André Fonseca - É a falta de diagnóstico médico. A história da leishmaniose é a seguinte: uma simples febre numa criança por falta de um diagnóstico correto pode ser tratada inicialmente com um paracetomol. Periodicamente a febre reaparece e daí se prescreve outro medicamento. Dois anos depois de iniciados os episódios de febre, a criança é internada em estado grave. E o pessoal descobre que é leishmaniose. Levou dois anos para descobrir. Tem um teste no posto de saúde que pode ser feito. Fura o dedo e o resultado sai em vinte minutos. O custo para o Poder Público é de dez reais. O sintoma clássico é uma febre que não cede. Não é uma febrona. É uma febre longa, que dura quatro ou cinco meses. Qual é o sintoma na criança? Uma febre, a criança fica chata, não dorme, o sono não é reparador. Dorme e acorda, chora, não consegue descansar. Vai causar alterações, o aumento do fígado, do baço, esse é o sintoma.
Campo Grande News - Se não tratar, em quanto tempo pode matar?
André Fonseca - Varia muito. Os trabalhos científicos mostram que quem mais morre é o homem mais velho, acima de 50 anos. É que o homem só vai ao médico se tiver muito ruim. A doença ataca o baço, fígado, os rins, e morre no final de sangramento. Pode morrer entre seis meses e dois anos. Se a doença for identificada a tempo, tem cem por cento de cura.
Principal problema é a falta de diagnóstico médico (Foto: Rodrigo Pazinato)"Principal problema é a falta de diagnóstico médico" (Foto: Rodrigo Pazinato)
Campo Grande News – Estudos mostram que o cachorro pode ser o principal, mas não é o único reservatório da doença.
André Fonseca - Em Campo Grande a população é estimada em 135 mil cães. Destes, aproximadamente 28 mil cães têm leishmaniose. Mas a leishmaniose não é doença do cachorro. É doença de mamífero que tem a doença. O ser humano, gato, cavalo, capivara, os quatis do Parque dos Poderes. Tem um trabalho interessante na Itália. Eles pegaram 400 ratos de rua e 30 por cento deles tinham a leishmaniose. Em Madri [Espanha] houve um surto da doença e descobriram que o agente tinha sido a lebre. Lá tem muitos parques, e as lebres estavam todas contaminadas. Então, o Ministério da Saúde passa a informação errada. O tratamento para leishmaniose existe em todos os países, menos no Brasil, que opta por fazer uma coisa diferente, que é matar os cães. Não vai funcionar.
Campo Grande News - O que fazer quando se descobre que o animal foi infectado?
André Fonseca – Você tem duas opções. Ou faz o tratamento ou faz a eutanásia. Não somos contra a eutanásia. Somos contra a obrigação de fazer a eutanásia. Em 2008 ligaram de uma rádio e disseram: doutor, um senhor de 83 anos, viúvo, tinha três cachorrinhos. O CCZ [Centro de Controle de Zoonoses] foi lá e matou os cachorrinhos que estavam com leishmaniose. Passou quatro dias e esse senhor apareceu morto. Tente explicar isso, o caso virou uma tragédia. Isso não conta nas estatísticas. Tem outra coisa. A Lei Federal 569 de 1948, no artigo primeiro, diz que, se por motivo de saúde pública for determinada a eutanásia, o dono do animal deve ser indenizado. É o que eu também peço na ação. Quer matar, mata, mas vamos agora estabelecer o valor da indenização. Minha cachorrinha dorme na minha cama, qual o valor da indenização? Quero 300 reais. Esse valor multiplicado por 20 mil dá seis milhões de reais por ano de indenização. Eles não fazem isso, mas está na lei.
Campo Grande News - Como é feito o tratamento?
André Fonseca - O tratamento é simples. Dois comprimidos por dia, não dura menos de dois anos. Só depois de dois anos o animal começa a negativar, você faz a prova e o animal não apresenta mais sorologia positiva. O custo do tratamento vai depender do tamanho do animal. Com um da raça Pinscher, animal de dois quilos, você gasta 20 reais por mês. Já um Pit Bull, o gasto é de 60 reais por mês. Também existem vacinas em dose dupla, que tem efeito terapêutico. Tem que se ressaltar que a leishmaniose não é contagiosa. Não pega por contato. Criou-se um preconceito.
Campo Grande News – Até quando é possível fazer o tratamento no animal?
André Fonseca - A leishmaniose mata o animal por lesão hepática. Tem que fazer o exame bioquímico para avaliar qual a resposta que o animal está dando. Respondendo bem, vai tratar o animal. Agora, tem animal que não responde. Nesse caso recomenda-se a eutanásia. Já está com lesão instalada que é irreversível. Nossa discussão é ética. Se tem tratamento, pode tratar. Se não tem tratamento, acabou a história. Nosso entendimento é jurídico. Também tem a Lei 9.605, de Crimes Ambientais. O artigo 32, que trata de Crimes e Maus Tratos, diz que se você vê um cachorro sofrendo e não faz nada, isto é crime ambiental. Se o cachorro está doente, minguando, e não faz nada, é crime. Nossa questão é ética. Somos contra a eutanásia obrigatória. Não pode matar o animal sadio.
Campo Grande News - Essa discussão mobiliza várias partes do País.
André Fonseca – Estamos em contato com vários profissionais. Tenho facilidade por ser advogado e veterinário. A gente orienta, coordena. Tem gente que liga de várias partes do Brasil pedindo orientação. Eu mando a ação para ele propor para o advogado dele. Mandamos carta para a Organização Mundial da Saúde fazendo denúncias do que está acontecendo no Brasil. Estamos nos mobilizando. Não adiante propor uma ação, tem que fazer uma mobilização nacional. Isso acontece em Araçatuba, Brasília, Belo Horizonte. Em Brasília é pior ainda porque a doença é no Lago Sul, onde moram senadores, deputados, ministros, e eles não deixam entrar. Esta mobilização está acontecendo no Rio Grande do Sul, Minas Gerais, São Paulo, Distrito Federal, Goiás, no Nordeste, principalmente em Sergipe. Estamos montando uma rede muito grande. Estamos fazendo nova ação contra o ministério da Saúde por crime ambiental, com multa de 50 milhões de reais por usarem esta sorologia. Trinta advogados vão assinar esta ação, no mínimo, pra poder fazer uma pressão violenta contra o ministério.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

LEISHMANIOSE - Mesmo com o tratamento autorizado pela justiça, CFMV ameaça veterinários que tratarem animais

Imagem do mosquito-palha - vetor que transmite a doença.  
Crédito: Ray Wilson, Liverpool School of Tropical Medicine/Creative Commons


Justiça declara ilegal Portaria 1.426/08, que proíbe tratamento de leishmaniose visceral canina

Na semana passada, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF 3), em São Paulo, declarou ilegal a portaria interministerial, dos Ministérios da Saúde e da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), que proibia o tratamento de cães com leishmaniose visceral canina utilizando medicamentos de uso humano ou produtos não registrados pelo Mapa. Até então, a recomendação era fazer a eutanásia do animal infectado.

A ação foi iniciada em setembro de 2008 pelo advogado Wagner Leão do Carmo, representando a ONG Abrigo dos Bichos, de Campo Grande (MS). Na decisão favorável à apelação do advogado, o tribunal entendeu que a Portaria 1.426/08  “extrapola os limites da legislação que regulamenta a garantia de livre exercício da profissão de médico veterinário, como das leis de protetivas do meio ambiente, em especial a fauna”.
Mesmo com a decisão publicada na última quarta-feira (16/1), no Diário da Justiça Federal da 3ª Região, a liberação é contrária à posição do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV), que manteve a orientação aos veterinários de não tratar animais que forem diagnosticados com a doença, ficando sujeitos às medidas repressivas. O profissional poderá responder a processo ético profissional e, ainda, à representação no Ministério Público Federal e no Estadual.
Segundo o secretário-geral do CFMV, Felipe Wouk, manter a orientação de não tratamento foi uma decisão que levou em conta a saúde pública e por não haver comprovações científicas de que o uso de remédios traz a cura do bicho e acaba com a chance de transmissão. “Nenhuma forma de tratamento, mesmo com medicamentos de uso humano, elimina da circulação sanguínea do cão a forma infectante do parasita. Aquilo que alguns advogam, que o tratamento torna o cachorro menos infectante e que o mosquito picando o bicho nessa condição terá pouca chance de transmitir a doença a uma pessoa, não procede.”
Para ele, a ação leva em conta a questão emocional da perda ao se ter de fazer a eutanásia do animal. “Também sentimos por isso, é da natureza humana, mas a decisão não pode ser encaminhada sozinha, sem considerar outros aspectos inegáveis cientificamente. Ele pode ter uma melhora com o tratamento, ficar mais ativo e diminuir as lesões de pele, mas não deixa de ser um elo na cadeia da epidemiologia da leishmaniose.”
O advogado Wagner Leão do Carmo criticou a atitude do conselho, afirmando que há uma contradição na posição da entidade com o que diz o Código de Ética da instituição. “Ele teria primeiro de revogar o seu Código de Ética para só então entender da forma que acha. O próprio código deles estabelece que o veterinário deve  tratar o animal usando o material que julgar necessário.”
Ele lembra que, ao deixar de cuidar de um animal, o profissional pode responder a uma ação penal. “Pela lei de proteção ambiental e pela Declaração Universal de Defesa dos Animais, o bicho deve ter o melhor tratamento possível e ser protegido pelo homem. Qualquer ato que desrespeite a hierarquia das leis é ilegal.” Segundo Wagner Leão, a decisão do tribunal tem validade no Mato Grosso do Sul e em São Paulo – apesar de ainda caber recurso.
Para o Conselho Federal de Medicina Veterinária, a interpretação do Código de Ética foi equivocada. “Cabe ao veterinário a escolha da melhor forma de tratamento, desde que tratar aquele animal seja objeto não exclusivamente do bem-estar dele, mas também atendendo ao critério da saúde pública. Por isso, esse argumento, nessa situação e dito de forma fragmentada, é impreciso. Ele deixa de considerar um momento mais grave que o ato de tratar, que é impedir que uma zoonose seja transmitida ao ser humano”, afirma Wouk.
A médica veterinária Maíra Kaviski Peixoto, presidente da ONG Abrigo dos Bichos, alegou que durante anos foi divulgada no Brasil uma ideia de que era o cão quem ameaçava a saúde das pessoas. “Até hoje não se viram ações concretas contra o vetor e já está cientificamente comprovado que a eutanásia não é e nunca será o método mais eficaz de controle da leishmaniose. O poder público é obrigado a se voltar contra o verdadeiro vilão, que é o mosquito-palha, o real transmissor da doença.”
O Ministério da Saúde se manifestou em nota, reafirmando a posição de que os medicamentos utilizados para tratar a leishmaniose visceral humana não podem ser usados para a leishmaniose visceral canina. “Essa prática pode tornar o parasita causador da doença resistente às drogas atualmente disponíveis.” Além disso, tanto o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento quanto o Ministério da Saúde afirmaram que ainda não foram notificados sobre a decisão do TRF 3 para reverter a Portaria 1.426/08, mas devem recorrer.
A DOENÇA
Conhecida como calazar, a leishmaniose é uma doença grave e que pode levar à morte – principalmente de crianças, idosos e indivíduos com baixa imunidade. Segundo dados do site do Ministério da Saúde, de 2000 a 2011, 42.067 pessoas foram contaminadas com o protozoário no Brasil, e 2.704 morreram em decorrência da doença, o que indica que a cada 15 contaminados houve 1 morte.
Se comparada com a dengue hemorrágica (caso mais grave da doença), que também tem como vetor um mosquito, o índice de mortalidade é similar, mas foram 21.505 casos de contaminação e 1.412 mortes. Já levando em consideração todos os casos de dengue no mesmo período, de cada 3.800 indivíduos, 1 morreu. Isso indica que, se forem consideradas apenas as mortes no período, a leishmaniose matou mais pessoas do que a dengue. Porém, quase não há medidas efetivas de combate ao mosquito-palha.
Este ano já houve uma morte por leishmaniose em Campo Grande (MS). A Secretaria de Saúde (Sesau) da cidade confirmou o falecimento de Juliene Silveira, de 29 anos, diagnosticada com a doença. Ela foi internada no dia 31/12, mas não resistiu e morreu no início de janeiro.
O VETOR
A transmissão acontece entre pessoas ou animais, mas os cães são considerados os principais reservatórios do problema nos centros urbanos. A contaminação é causada pela fêmea do insetoLutzomyia longipalpis, popularmente conhecido como mosquito-palha ou birigui, que se alimenta de sangue. Ela pica o cão ou pessoa infectada e ao picar um ser sadio faz com que o protozoário entre na corrente sanguínea e migre para os órgãos viscerais, como fígado e baço.
O problema era considerado um mal de áreas rurais, mas agora se alastra para os centros urbanos e especialistas cogitam de que há risco de infecções na capital paulista, em razão do grande número de cães e dos ambientes propícios para o seu desenvolvimento. O mosquito-palha não precisa de água para reprodução, ele prefere ambiente com matéria orgânica em decomposição para se multiplicar.
SINTOMAS NO HOMEM
Nos humanos, a doença provoca febre, desânimo, perda de peso, palidez, anemia e inchaço do fígado e do baço. A leishmaniose pode matar e quanto mais rápido for iniciado o tratamento maior é a chance de cura.
SINTOMAS NO CÃO
Existe uma grande variação de sintomas, mas observam-se mais comumente lesões de pele, úlceras, perda de peso, descamações, crescimento exagerado das unhas e dificuldade de locomoção. No estágio avançado, o mal atinge o fígado, baço e rins, levando o animal ao óbito.
PREVENÇÃO NOS CÃES
Combater o mosquito é primordial para a diminuição do problema. O uso de inseticidas nos ambientes e de repelentes, inclusive nos cães, é altamente recomendado. Tudo isso deve ser associado à higienização e saneamento básico. São recomendadas práticas de educação sobre a posse responsável e de controle da natalidade canina. Existe também uma vacina preventiva, a Leishmune, da Pfizer Saúde Animal. Mas os cães devem fazer exames para atestar a saúde e que não são portadores da doença antes da aplicação da imunização.

domingo, 20 de janeiro de 2013

Cães com leishmaniose não deverão ser sacrificados


Entrevista com Dr Paulo Tabanez e Simone Lima, da Proanima, que falam sobre a decisão da justiça em liberar o tratamento de cães com Leishmaniose

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Decisão da Justiça Federal autoriza tratamento de cães com leishmaniose


Decisão da Justiça Federal autoriza tratamento de cães com leishmaniose



Decisão do TRF-3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região) desta quarta-feira (16) derrubou a portaria do Ministério da Agricultura que proibia o tratamento de cães com leishmaniose visceral. A ação foi movida pela ONG (Organização Não Governamental) Abrigo dos Bichos e é válida para todo o País.
Por dois votos a um, o Tribunal autorizou o tratamento dos cães com o entendimento de que proibindo a utilização de medicamento humano para tratamento, automaticamente é incentivado o extermínio dos animais. Em Campo Grande, a polêmica reacendeu após o caso do cão Scooby, que sofreu maus tratos, teve a doença diagnosticada, foi tratado, depois voltou ao CCZ (Centro de Controle de Zoonoses), de onde foi retirado ontem, pela Abrigo dos Bichos, graças a uma decisão da Justiça. Havia o temor de que ele fosse submetido a eutanásia. 
“A matança de animais é inconstitucional e vai contra as Leis de proteção ambiental, convenção de Bruxelas e todas as leis de preservação dos animais”, explicou o advogado responsável pelo processo que teve liminar deferida pela Justiça Federal, Wagner Leão.
À medida ainda cabe recurso junto ao STF (Supremo Tribunal Federal) e STJ (Superior Tribunal de Justiça), que pode manter ou não a decisão da instância anterior, mas até um novo julgamento o tratamento está autorizado.
O tratamento é proibido pelo CFMV (Conselho Federal de Medicina Veterinária), que inclusive pune os profissionais que o praticam, como a médica veterinária Sibele Cação que teve cassado o mandato de presidente do Conselho Regional. Sibele defende o procedimento com os animais, sendo uma das defensoras do tratamento do cão Scooby, símbolo da luta dos que defendem o fim da eutanásia dos cães contaminados.
Como a portaria não tem eficácia, os médicos veterinários que fizerem não podem ser punidos, mesmo em caso de derrubada da medida.
“Acho uma decisão lógica, de bom senso, até quando se fala do aspecto do equilíbrio ecológico porque exterminar uma raça por conta do fator econômico é um absurdo”, explicou. Ele lembrou ainda que o cão é somente mais um dos hospedeiros da leishmaniose. "Se o gado começar a ser responsável pela transmissão, vamos eliminar todo rebanho do Estado?", questionou.


Justiça Federal autoriza tratamento da Leishmaniose Visceral


Decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª região, derrubou a portaria nº 1.426/08, do Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), que proibia o tratamento da leishmaniose visceral em cães infectados, com produtos de uso humano e recomenda a execução sumária de tais animais.

Assim que saiu a edição da portaria, há mais de quatro anos, o advogado Wagner Leão do Carmo, conta que entrou com uma ação cautelar do Abrigo dos Bichos e só agora saiu a decisão, que será válida em todo o território nacional.

”É uma decisão de inconstitucionalidade, a não ser que haja embargos, que praticamente autoriza que veterinários possam utilizar de todo e qualquer medicação para tratar da leishmaniose, inclusive de uso humano”, diz o advogado Wagner Leão.

Desde então, o advogado diz que ‘é dado ao profissional veterinário o livre arbítrio de dizer se pode ser feito o tratamento no animal e se este terá eficácia’.

“É uma vitória importante para a proteção dos animais no Brasil e bastante relevante socialmente. A exterminação não resolvia o problema do cão doente, que é o quarto dentro da ordem do hospedeiro, vindo primeiramente a galinha e depois o porco, cavalo, o homem e por último o cão. Estes ninguém faz nada pelo interesse econômico. Já o cão é mais fácil exterminar porque economiza dinheiro público”, avalia o advogado.


PORTARIA INTERMINISTERIAL Nº 1.426/08



TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

Publicado em 17/1/2013
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0012031-94.2008.4.03.6000/MS
2008.60.00.012031-3/MS
RELATOR : Juiz Convocado DAVID DINIZ
APELANTE : SOCIEDADE DE PROTECAO E BEM ESTAR ANIMAL ABRIGO DOS BICHOS
ADVOGADO: WAGNER LEAO DO CARMO e outro
APELADO : Uniao Federal
ADVOGADO : TÉRCIO ISSAMI TOKANO e outro
No. ORIG. : 00120319420084036000 4 Vr CAMPO GRANDE/MS
EMENTA

PORTARIA INTERMINISTERIAL Nº 1.426 - MAPA. CÃES INFECTADOS PELA LEISHMANIOSE VISCERAL. PROIBIÇÃO DA UTILIZAÇÃO DE PRODUTOS DE USO HUMANO OU NÃO REGISTRADOS NO MAPA. QUESTÃO DE DIREITO. ILEGALIDADE. LIVRE EXERCÍCIO DA PROFISSÃO DE VETERINÁRIO. LEI N.º 5.517/68. ARTIGOS 1º, 5º, ALÍNEAS A, C E D, E 6º, ALÍNEAS B E H. ARTIGO 16 LEI N.º 5.517/68. CÓDIGO DE ÉTICA DO MÉDICO VETERINÁRIO. ARTIGO 10 DA RESOLUÇÃO N.º 722/2002. DECISÃO ACERCA DA PRESCRIÇÃO DO TRATAMENTO AOS ANIMAIS E RECURSOS HUMANOS E MATERIAIS A SEREM EMPREGADOS. PRERROGATIVA DO VETERINÁRIO. AFRONTA À LEGISLAÇÃO PROTETIVA DO MEIO AMBIENTE. LEI N.º 9.605/98. CRIMES CONTRA A FAUNA. DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DOS ANIMAIS. INCONSTITUCIONALIDADE. REFLEXA. HONORÁRIOS. APELAÇÃO PROVIDA.

1. Cinge-se a discussão à possibilidade ou não de a Portaria Interministerial n.º 1.426, de 11 de julho de 2008-MAPA proibir a utilização de produtos de uso humano ou não registrados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento para o tratamento de cães infectados pela leishmaniose visceral.

2. A questão sob análise é eminentemente de direito, diferentemente do que decidiu o juiz de primeiro grau, porquanto o autor questiona tanto a legalidade quanto a constitucionalidade da Portaria n.º 1.426. Assim, por se tratar de matéria de lei, não é pertinente, data venia do ilustre relator, a discussão acerca da possibilidade ou não de produção de provas em sede de cautelar.

3. A Portaria n.º 1.426 é ilegal, porquanto extrapola os limites tanto da legislação que regulamenta a garantia do livre exercício da profissão de médico veterinário, como das leis protetivas do meio ambiente, em especial da fauna.

4. No tocante ao exercício profissional, a Lei n.º 5.517/68 ressalta, dentre as atribuições do veterinário, a prática da clínica em todas as suas modalidades, a assistência técnica e sanitária aos animais sob qualquer forma, o planejamento e a execução da defesa sanitária animal, o estudo e a aplicação de medidas de saúde pública no tocante às doenças de animais transmissíveis ao homem e as pesquisas e trabalhos ligados à biologia geral, à zoologia, à zootecnia bem como à bromatologia animal em especial, consoante se observa dos artigos 1º, 5º, alíneas a, c e d, e 6º, alíneas b e h. A mesma lei, que igualmente cria os Conselhos Federal e Regionais de Medicina Veterinária, consigna dentre as atribuições do CFMV, a expedição de resoluções para sua fiel execução e a organização do respectivo Código de Ética. Com base no mencionado artigo 16 Lei n.º 5.517/68 é que foi editado o Código de ética do Médico Veterinário, consubstanciado na Resolução n.º 722, de 16 de agosto de 2002, cujo artigo 10 preceitua a liberdade do veterinário na prescrição do tratamento que considerar mais indicado, incluídos os recursos humanos e materiais que entender necessários ao desempenho da profissão.

5. Resta claro, com base no aludido arcabouço normativo, que ao veterinário é que cabe decidir acerca da prescrição do tratamento aos animais, bem como quanto aos recursos humanos e materiais a serem empregados. A portaria, ao vedar a utilização de produtos de uso humano ou não registrados no competente órgão federal, viola os referidos preceitos legais e, por consequência, indiretamente, a liberdade de exercício da profissão, prevista no inciso XIII do artigo 5º da Constituição Federal, assim como o princípio da legalidade, que conta do inciso II.

6. A Portaria n.º 1.426 revela-se ilegal, ainda, por afrontar a legislação protetiva do meio ambiente, especialmente a Lei n.º 9.605/98, que tipifica, dentre os crimes ambientais, aqueles que são cometidos contra a fauna, e também a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, proclamada em assembléia da Unesco, em Bruxelas, no dia 27 de janeiro de 1978, que regulamenta a matéria no âmbito internacional, e que foi recepcionada pelo nosso sistema jurídico.

7. A proteção dos animais em relação às práticas que possam provocar sua extinção ou que os submetam à crueldade é decorrência do direito da pessoa humana ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, previsto no inciso VII do §1º do artigo 225 do texto constitucional.

8. A Constituição Federal, a Declaração de Bruxelas e as leis de proteção à fauna conduzem-se no sentido da proteção tanto da vida como contra os maus tratos. A vedação de medicamentos usados para humanos ou dos não registrados para aliviar ou evitar a doença em causa, desde que prescritos por quem de direito, representa séria violação e desrespeito aos estatutos mencionados. Os seres vivos, de maneira geral, e os animais em particular, juntamente com os demais elementos que compõem a eco esfera, constituem o planeta Terra. Nada mais é que um organismo vivo, que depende para sua existência da relação equilibrada da fauna, da flora, das águas dos mares e dos rios e do ar. Somente tal compreensão pode garantir a existência das gerações futuras. Disso decorre a responsabilidade que cada um tem com o meio-ambiente. Pouco apreço pela vida ou por aquilo que a pressupõe significa descomprometimento com o futuro. Sabemos como reproduzir a vida, não como a criar efetivamente. Aquele que desmerece os seres com os quais tudo tem sentido atinge nossa identidade e perdeu ou não adquiriu a essência do que se chama humano. Por isso, é muito grave a edição da portaria de que se cuida nos autos. Produz a concepção de que os seres humanos desconsideram o cuidado necessário ecológico pelo qual somos responsáveis.

9. Por fim, não prospera a alegação de inconstitucionalidade da portaria em questão. Consoante já demonstrado, a matéria é sim objeto de lei e eventual afronta à Constituição Federal seria apenas reflexa.

10. Honorários em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa em razão da estimativa desta na petição inicial (R$ 1.500,00), da peculiaridade da controvérsia e do trabalho desenvolvido pelo advogado. Custas ex vi legis.

11. Apelação provida.


ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, dar provimento ao recurso de apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

São Paulo, 13 de setembro de 2012.
André Nabarrete
Desembargador Federal

________________________________________
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): ANDRE NABARRETE NETO:10023
Nº de Série do Certificado: 6BAA9E1A525190D6
Data e Hora: 9/1/2013 11:58:31
______________________________

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

A MEDIDA LIMINAR PARA SALVAR O SCOOBY FOI CONCEDIDA


Revista Semana Online

A diferença entre a omissão e a cidadania

A decisão do juiz Amaury Kuklinski, da Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Homogêneos, que obrigou o Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) de Campo Grande (MS) a entregar o cão Scooby aos cuidados da ONG Abrigo dos Bichos nesta terça-feira, 15, é o ápice de uma guerra que envolveu milhares de pessoas em todo o Brasil e que teve nas redes sociais o seu principal campo de batalha.

A história de Scooby é comovente. Ele sobreviveu após ter sido amarrado a uma moto e arrastado pelos próprios tutores por 4 km até o CCZ, superou a leishmaniose ao ser tratado por veterinários que honram a profissão, e no dia 19 de dezembro foi devolvido ao CCZ como parte do acordo firmado pela ONG e a Prefeitura. Desde então Scooby ficou sem o tratamento contra a doença e sob o constante risco de ser mais um entre os milhares de animais sacrificados todos os meses no Centro com base em uma absurda política de massacre que não resolve os problemas que se dispõe solucionar.

A devolução de Scooby é uma clara demonstração da força popular catalisada nas redes sociais. É uma mostra de que, diferente do que pensam alguns – inclusive muitos representantes do povo, a população tem, sim, o poder de influenciar os assuntos que lhe dizem respeito. A voz do cidadão encontra nas redes sociais, a amplificação necessária para chegar aos fóruns de decisão e influir em mudanças importantes.

O Caso Scooby não acabou ainda. É certo de que haverá novos rounds neste confronto. Mas ele é mais uma demonstração do que se pode fazer quando as pessoas se unem em prol de uma causa justa.

A revista Semana Online se curva a todos os cidadãos e entidades que se envolveram neste embate. Vocês fazem a diferença entre a omissão e a cidadania.



Estado de Mato Grosso do Sul
Poder Judiciário
Campo Grande
Vara de Direitos Difusos,Colet.e Indiv.Homogêneos
fls. 1
Autos 0800700-76.2013.8.12.0001
Autor(es): Sociedade de Proteção e Bem Estar do Animal- Abrigo dos Bichos
Réu(s): Municipio de Campo Grande MS
Vistos, etc.
Sociedade de Proteção e Bem Estar do Animal-Abrigo dos Bichos,
qualificada na inicial, ajuiza a presente Cautelar Inominada Preparatória de Ação
Civil Pública com Pedido de Liminar em face do Município de Campo
Grande/MS, igualmente já qualificado, objetivando a suspensão da eutanásia do
cão Scooby e sua entrega à adoção temporária ao requerente, para
prosseguimento do tratamento que vinha sendo feito, aos cuidados da médica
veterinária Maíra Kaviski Peixoto, em clínica particular de sua propriedade,
tendo em vista que o animal não apresenta risco à sociedade, pois já estava
clinicamente sadio, CURADO DA LEISHMANIOSE (clínica e epidemiológica),
asseverendo que o animal está sofrendo maus tratos, uma vez que não está
recebendo o tratamento prescrito para manutenção de sua saúde e estado clínico.
O cão Scooby é aquele que, no dia 9 de julho de 2012, foi arrastado
por 4 (quatro) quilômetros, do Aero Rancho até o CCZ, pelo seu antigo “dono”,
gerando protestos, indignação e repúdio por parte de toda a população, não só
desta Capital, mas além das fronteiras, conforme divulgado nas redes sociais e
demais ambientes virtuais.
Em razão da detecção da leishmaniose em seus exames, e a teor da
Portaria Interministerial n. 1.426, de 2008, que proibe o tratamento da
leishmaniose visceral em cães infectados ou doentes, com produtos de uso
humano ou produtos não-registrados no Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento, extrapolando o poder regulamentar, pois não há lei que preveja a
imposição de tal conduta negativa.
Juntou com a inicial, os documentos de fls. 14/99.
É o relatório. DECIDO.
Trata-se de procedimento cautelar preparatório para o ajuizamento de
ação civil pública, com fundamento no art. 1º, inciso I, da Lei n. 7.347/85, com
pedido liminar e com previsão no art. 4º da mesma lei: “Art. 4o Poderá ser ajuizada
ação cautelar para os fins desta Lei, objetivando, inclusive, evitar o dano ao meio
ambiente, ao consumidor, à ordem urbanística ou aos bens e direitos de valor
artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico”.
Conforme Nota Técnica do Ministério da Saúde, Secretaria de
Vigilância em Saúde:
“As leishmanioses são importantes doenças infectocontagiosas,
com importante caráter zoonótico, cujo
PARASITO É TRANSMITIDO POR INSETOS
CONHECIDOS COMO FLEBOTOMÍNEOS, mantidos na
natureza por reservatórios silvestres e urbanos.
(…)
Segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde), os
principais fatores de risco envolvidos na ocorrência de
novos casos são as alterações ambientais, como
migrações humanas intensas, urbanização, desmatamento,
assim como os fatores de risco individuais, que são HIV,
desnutrição, fatores genéticos etc. (Desjeux, 2004).
(…)
O cão é considerado o principal reservatório doméstico
da Leishmaniose Visceral (LV)
(…)
O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
(MAPA) REGISTROU em 2003 uma vacina para
leishmaniose visceral, a “LEISHIMUNE” produzida
pelo laboratório Fort Dodge Saúde Animal Ltda.”
Essa vacina foi desenvolvida após 20 (vinte) anos de estudos,
apontando para uma eficácia vacinal de 95% dos casos, contra os quadros
clínicos moderados e graves da doença nos cães, evitando a contaminação e a
possível transmissão da doença pelo animal, em razão do isolamento do vírus no
seu organismo, o qual permanece ali, controlado, com remota possibilidade de
disseminação.
O ato administrativo (que não se confunde com lei) está totalmente
dissociado dos estudos científicos que vem sendo realizados e aceitos nos países
de 1º mundo, à exemplo da Espanha, França, Itália e Alemanha, que tratam seus
animais eficientemente.
A Portaria n. 1.426/2008 proíbe, em todo o território nacional, o
tratamento da leishmaniose visceral em cães infectados ou doentes, com produtos
de uso humano ou produtos não-registrados no Ministério da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento (MAPA).
Ocorre que um dos remédios utilizados para o tratamento é a vacina
Leishmune (conforme relatório de acompanhado – fls. 47/48), que é registrada
pelo Ministério da Agricultura, o quê já torna amplamente questionável todo o
esforço da Administração Pública em coibir o tratamento a ser dispensado ao
animal, a critério do responsável.
Como se vê da documentação juntada, o diagnóstico encontrado pelo
laboratório Pronto Dog (fl. 34), em julho de 2012, foi positivo de leishmaniose,
assim como o realizado pelo laboratório TECSA (fl. 35). Ocorre que este mesmo
laboratório, em data diversa (25/10/2012), já não encontrou a doença no sangue
do animal, como se constata no exame de fl. 49 (TECSA), o que se constatou
também pelo Laboratório ProntoVet, em 19/12/2012 (fl. 53).
Embora não haja cura (parasitológica1) para Leishmaniose, até o
momento, seja para o ser humano seja para o cão, os tratamentos que existem
buscam manter tanto o ser humano quanto o animal assintomáticos e NÃO
TRANSMISSORES, mesmo ainda portando a doença (assim como os seres
humanos portam doenças como a doença de chagas, toxoplasmose, etc., que não
transmitem entre si), pois é preciso ter-se claro que tanto os humanos como os
animais infectados, mesmo tratados, serão portadores do parasita o restante de
suas vidas e deverão ser mantidos sob controle.
Entretanto, é possível tanto a cura clínica (o humano ou o cão não
apresentam mais sinais da doença) quanto a cura epidemiológica (o humano ou o
cão não serão mais transmissores da doença).
É o que demonstra os resultados dos exames do cão SCOOBY, que de
“soro positivo” em julho de 2012, passou a “soro negativo” em outubro de 2012.
Portanto, não é apenas o cão que pode ser infectado pela doença, o
homem, as antas, as capivaras, os ratos, no meio urbano, também são, pois a
leishmaniose é transmitida por insetos hematófagos (que se alimentam de sangue)
conhecidos como flebótomos ou flebotomíneos.
Não é possível o contágio de um animal para outro, de um humano
para outro, de um animal para o humano ou de um humano para o animal,
senão por meio da picada do inseto infectado.
Todas as pesquisas são unânimes ao dizer que o extermínio dos
animais é de pouca valia, e que resultados significativos foram obtidos por meio
de inseticidas que exterminem o mosquito, verdadeiro transmissor da doença,
como citado pela autora, e que transcrevo abaixo:
“O programa de eliminação de cães domésticos apresenta o
menor suporte técnico-científico entre as 3 estratégias do
programa de controle. Foram identificados 10 pontos de maior
fragilidade: 1) A falta de correlação espacial entre a incidência
cumulativa de LV humana com a soroprevalência canina. 2) A
ausência de risco significativo de coabitação com cães para
aquisição de LV. 3) A demonstração teórica de que é um
método pouco eficiente em comparação com as estratégias de
controle vetorial e de suplementação alimentar. 4) A
demonstração de que outros reservatórios podem ser fontes de
infecção de L. chagasi, tais como pessoas (particularmente
crianças desnutridas que podem transmitir para outras
crianças), canídeos silvestres e marsupiais. 5) A grande
velocidade com que a população canina é reposta, exigindo
proporção e freqüência de retiradas de cães soropositivos
impraticáveis. 6) A baixa eficiência dos testes sorológicos em
detectar infecção canina. 7) A utilização de um único método
para efetuar as duas funções de teste de triagem e de teste
confirmatório para infecção por L. chagasi; isto conduz a
elevado custo por benefício devido à alta proporção de
resultados falso-positivos, particularmente quando a
prevalência real é baixa. 8) A falta de indicadores clínicos ou
laboratoriais de infectividade de cães para o vetor. 9) A
ausência de experiências anteriores que tenham demonstrado
vantagens exclusivas da eliminação de cães, pois todos os
relatos de sucesso de programas de controle de LV onde foram
eliminados cães descrevem também o controle de vetores com
inseticidas. 10) A publicação de observações e ensaios em que
se verificou que quando esta medida foi aplicada sozinha, não
houve demonstração inequívoca da vantagem de seu uso em
reduzir a incidência de LV em seres humanos.” (fonte: Revista
da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical 34(2): 223-228,
mar-abr, 2001).
Evidencia-se assim que seria mais racional e inteligente combater o
mosquito, e não exterminar os cães, ratos ou humanos infectados pela doença, em
razão de terem tido contato com o mosquito.
Multiplicam-se por todo país, decisões entendendo não ser a melhor
tática adotada pelas políticas públicas, a dizimação dos cães como forma de
combate à leishmaniose, havendo estudos que inclusive afirmam quanto à
possibilidade de causar o aumento da doença nos seres humanos (citado em
decisão proferida pelo TJMS, mais abaixo transcrita).
A própria Organização Mundial de Saúde não recomenda a eutanásia
como método de controle da Leishmaniose Visceral Canina. Assim como
pareceres do Ministério Público Federal (fls. 63/68) e da Ordem dos Advogados
do Brasil (fls. 92/98):
Pesquisas realizadas no âmbito da Medicina Veterinária, com
amplo amparo de especialistas internacionais e de inúmeras
publicações científicas -inclusive da Organização Mundial de
Saúde -concluem de maneira precisa, enfática e consensual,
que os métodos de diagnóstico atuais para a infecção canina
são altamente sujeitos a reações falso positivas, levando, por
conseguinte, milhares de animais à morte desnecessária. Ou
seja, a Organização Mundial de Saúde não recomenda a
eutanásia como método de controle da Leishmaniose visceral
Canina.(fonte:webspl1.al.sp.gov.br/internet/download?poFileIs
=20562983&/…)
Ora, não há porquê negar à autora ou a qualquer outro tutor
responsável disposto a suportar os custos financeiros advindos dessa opção, desde
que mediante Termo de Compromisso, acompanhamento e responsabilidade do
médico veterinário habilitado, existindo meios científicos e comprovadamente eficazes, que proceda ao tratamento que entender adequado, não estando a
Administração Pública a suportar qualquer encargo por isso, uma vez que já
pratica a eutanásia nos animais recolhidos das ruas, abandonados pelos seus
“donos” ou já nascidos nela. Inclusive, sem anestesia.
Diga-se de passagem, que um meio que seria bastante adequado a
combater tais zoonoses seria o de conscientizar a população para seu papel social
de não permitir a saída de seus cães, machos ou fêmeas, desacompanhados, o que
evitaria que as fêmeas tivessem mais filhotes abandonados à própria sorte, o que
diminuiria a população canina das ruas. Pois, de que adianta eutanasiar cães que
possuem tutores dispostos a trata-los se existem mil cães nas ruas, que podem
estar contaminados, e que não terão a mesma sorte dos primeiros?
Tal entendimento inclusive encontra amparo no Recurso Especial n.
1.115.916, julgado pelo STJ em 01/09/2009:
“(…)
3. A meta principal e prioritária dos centros de controles de
zoonose é erradicar as doenças que podem ser transmitidas de
animais a seres humanos, tais quais a raiva e a leishmaniose.
Por esse motivo, medidas de controle da reprodução dos
animais, seja por meio da injeção de hormônios ou de
esterilização, devem ser prioritárias, até porque, nos termos do
8º Informe Técnico da Organização Mundial de Saúde, são
mais eficazes no domínio de zoonoses.
(…)” (REsp 1115916 / MG. Rel. Min. Humberto Martins.
Segunda Turma. DJ 01/09/2009. DJe 18/09/2009. RSTJ vol.
216 p. 358)
A questão posta à apreciação, ensejará na ação principal, dentre outras,
a pretensão do direito de tratar o animal com leishmaniose, mediante o devido
processo legal.
Ressalte-se que o TJMS também já teve oportunidade de se manifestar
a respeito e assim decidiu:
“Contudo, a atuação do Poder Público deve ser regularizada e
controlada, para que, em nome da saúde pública, não se viole o
direito à proteção constitucional do animal e de seu
proprietário, conforme disciplina o artigo 225, parágrafo 1º,
inciso VII, e artigo 5º, inciso XXII, da CF. Senão, vejamos:
“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem como de uso comum do povo e essencial à
sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as
presentes e futuras gerações.
§1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao
Poder Público:
(…).
VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, no forma da lei, as
práticas que coloquem em risco sua função ecológica,
provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade”.
A Declaração Universal dos Direitos dos Animais, da qual o
Brasil é signatário, em seus artigos 1º, 2º, letra c, 3º, letra a, 11
dispõe:
Art. 1º. Todos os animais nascem iguais diante da vida e têm o
mesmo direito à existência.
“Art. 2º.
c) -cada animal tem o direito à consideração, à CURA e à
proteção do homem”.
Art. 3º.
a) nenhum animal deverá ser submetido a maus-tratos e atos
cruéis.
Art. 11. O ato que leva à morte de um animal sem necessidade
é um biocídio, ou seja, um delito contra a vida”. (destacado)
A Lei n. 2.990/2005, que sistematiza a posse responsável de
cães e gatos no Estado de Mato Grosso do Sul estabelece em
seu artigo 29, § 6º, e 36, alínea a, o seguinte:
“Art. 29.
§6º. Em nenhuma hipótese será permitida a eutanásia de
animais saudáveis.” (destacado)
“Art. 36. São considerados maus-tratos cães e/ou gatos:
a) submetê-los a qualquer prática que cause ferimentos, ou
morte.”
(…) Sendo assim, qualquer providência adotada pela
Administração Pública, nas ações de vigilância e
epidemiológica, no sentido de proteger a saúde da população,
deve resguardar a ampla e solidária participação da sociedade,
que deve ser esclarecida acerca dos procedimentos adotados,
possibilitando-lhes a adoção das medidas administrativas e
jurídicas na salvaguarda dos interesses dos animais, conforme
disciplina o próprio Código Sanitário Municipal – Lei
Complementar Estadual nº 36, de 22 de dezembro de 2000, em
seu artigo 59:
“As ações de Vigilância Sanitária e Epidemiológica compõem
um campo integrado e indissociável de práticas, fundamentado
no conhecimento interdisciplinar e na ação intersetorial,
desenvolvidas através de equipes multiprofissionais, com a
participação ampla e solidária da sociedade, através de suas
organizações, entidades e movimentos, estruturando em seu
conjunto um campo de conhecimentos e práticas denominado
de vigilância à saúde.”. (destacado).
(…)
Como se vê dos autos, o próprio coordenador do plano
municipal de controle da leishmaniose, Michael Robin Honer,
em entrevista ao Jornal Correio do Estado, veiculada em 8 de
abril de 2007, admite a possibilidade do tratamento, verbis:
“… Acho que está na hora de falarmos abertamente sobre este
assunto, existe o tratamento, inclusive tivemos a presença do
doutor Vitor (Márcio Ribeiro, da PUC – Minas) no workshop,
que falou sobre o protocolo de tratamento para cães”.
(…)
Aliás, tal questão já foi debatida pelo Tribunal de Justiça de
Minas Gerais, por ocasião do julgamento da Apelação Cível nº
1.0024.03.038441-6/002, da relatoria do Des. Caetano Levi
Lopes, tendo constado da ementa:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA – EXTERMÍNIO DE ANIMAIS –
LEGALIDADE. Preleciona a legislação de regência que na
hipótese da necessidade de sacrifício de animais apreendidos
pelo Poder Público, tal medida somente seja adotada por
decisão alicerçada em laudo firmado por veterinário, inclusivecom comunicação prévia ao Órgão Ministerial local.
A propósito, o coordenador do plano municipal de controle de
leishmaniose, Michael Robin Honer, ao responder a afirmação
do repórter, na entrevista dada ao Jornal Correio do Estado, de
que “Há, inclusive, um documento assinado pelo Ministério da
Saúde e pela Organização Pan-Americana de Saúde queautoriza o tratamento canino” assim consignou “É existe, nós
temos que reconhecer que isto está acontecendo. As pessoas na
Europa não sacrificam seus cães quando estão com
leishmaniose, elas tratam…” (f. 136).
Evidencia-se, portanto, que a eutanásia só pode ser adotada
como medida excepcional e desde que, após o resultado do
exame e da contraprova, o proprietário, de livre e espontânea
vontade, tendo ciência da existência e possibilidade de
tratamento, assine um termo de entrega do animal.
É público e notório que a leishmaniose é transmitida por um
mosquito, conforme consta do livro Medicina Interna de
Pequenos Animais (f. 169-170) no capítulo que dispõe: “… os
roedores e os cães são reservatórios primários de Leishmania
spp.; as pessoas e os gatos são provavelmente hospedeiros
incidentais e os mosquitos-pólvora são os vetores.” e, também,
“… evitar os mosquitos-pólvora infectados é a única maneira
de prevenção.”. Conclui-se, por conseguinte, que a eutanásia
desenfreada dos cães por certo não irá acarretar a diminuição
dos mosquitos, mas, obviamente, culminará no aumento da
doença nos humanos. (…)” (Agravo -N. 2007.0152379/
0000-00. Terceira Turma Cível. Rel. Des. Rubens Bergonzi
Bossay. DJ 8.10.2007)
A concessão da liminar há de ser deferida, uma vez presentes os
requisitos autorizadores da medida que não gerará perigo de irreversibilidade, já
que poderá ser, a qualquer tempo revista e revogada, se for o caso.
A documentação acostada, sobretudo os resultados posteriores
NEGATIVOS, constatando-se a não detecção da doença no organismo do animal,
revela a presença do fumus boni iuris, de modo que se mostra plausível a
pretensão da autora, de dar prosseguimento ao tratamento dispensado ao animal.
Por fim, resta evidente que a manutenção do animal no Centro de
Controle de Zoonoses pode causar danos irreparáveis ou de difícil reparação à
demanda da autora (periculum in mora), qual seja o óbito do animal, embora
possa permanecer o direito de qualquer tutor responsável, tratar seu animal.
Assim, por essas razões, sem oitiva da parte contrária, DEFIRO o
pedido liminar para o fim de determinar que o Município de Campo Grande/MS,
por qualquer de seus órgãos, Secretarias, entidades, etc., proceda à entrega
IMEDIATA à autora, do cão Scooby, sob pena de multa no valor de R$
50.000,00 (cinquenta mil reais), o que faço com esteio no art. 461, § 4º, do CPC.
Intimem-se as partes e cite-se o requerido para tomar ciência desta
decisão e para, querendo, oferecer resposta, no prazo de 20 (vinte) dias, na forma
do art. 802 c/c art. 188 do CPC, com a advertência do art. 803, do mesmo
Diploma Legal.
Observe o autor, o prazo previsto no art. 806 do CPC, para
ajuizamento da ação principal.
Dê-se vista ao Ministério Público.
Cumpra-se.
Campo Grande, 14 de janeiro de 2013.
Amaury da Silva Kuklinski
Juiz(a) de Direito
Modelo 702685 – Endereço: Rua da Paz, 14, 3º andar – Bloco III, Jardim dos Estados – 3º andar – Bloco III – CEP
79020-040, Fone: 3317-3524, Campo Grande-MS – E-mail: cgr-vddcih@tjms.jus.br