segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Pelo fim da matança de animais com Leishmaniose

Pessoas levaram seus animais em tratamento para a avenida Afonso Pena na manhã de ontem. (Foto: Cecília Luchese/Direto das Ruas)
Dezenas de pessoas se reúnem nesse domingo no Centro de Campo Grande, para manifestar apoio ao médico veterinário André Luis Soares da Fonseca. Ele foi autuado na semana passada pelo Conselho Regional de Medicina Veterinária, acusado de atender em clínica irregular.
O professor e veterinário André é conhecido em Campo Grande por ser estudioso e defensor do tratamento da leishmaniose, atendendo gratuitamente animais de abrigos, abandonados, ou resgatados. Assim que souberam da autuação ocorrida no dia 16, muitas pessoas que já tiveram ou ainda tem animais em tratamento criaram uma página no Facebook chamando para a ação deste domingo.
É o caso de Nilce Lucchese que há quase um ano resgatou um cão das ruas e ao levá-lo a clinica de uma universidade, foi diagnosticado com leishmaniose. Ela conta que no local eles se recusaram a fazer o tratamento e indicaram a morte induzida. “A gente se sente totalmente desamparado no momento que descobre a doença. Depois eu comecei a pesquisar e conheci o trabalho do dr André, que é de anos e fui procurá-lo”, diz.
Nilce lembra que assistiu junto com outros tutores de cães, uma palestra ministrada por André sobre a doença e o tratamento. “Eu aprendi que é preciso exterminar o mosquito transmissor e não o hospedeiro, que é o cachorro”. O atendimento foi gratuito e hoje seu animal vive bem. “Ele é saudável, está vivendo bem. Ficamos feliz pois somos muito contra a morte induzida”, afirma Nilce.
Ao saber da autuação do veterinário e do apoio preparado pelas pessoas, ela decidiu ir até a rua 13 de maio com a avenida Afonso Pena nesta manhã se juntar aos demais. “Me lembrei da preocupação que fiquei ao descobrir a leishmaniose e acredito que a doença depende da cidadania de cada um de nós”, conta Nilce.
Entidades de apoio aos animais tão foram para a rua nesta manhã. A presidente e fundadora do Abrigo dos Bichos, Maria Lucia Metello, apoiou a ação de hoje em solidariedade ao veterinário André. “Essa é uma iniciativa popular, a maioria das pessoas que estão aqui tem animais em tratamento com ele. E o que ele faz é gratuito”, afirma.
Autuação – No site oficial do órgão, o CRMV/MS (Conselho Regional de Medicina Veterinária de Mato Grosso do Sul) informou que no dia 16, durante ação conjunta com a Vigilância Sanitária, autuou um consultório que funcionava irregularmente no bairro São Francisco. E que o ato foi feito visando garantir “a qualidade e a segurança dos mesmos”.
De acordo com o conselho, as irregularidades encontradas foram a falta de registro no Conselho, infringindo a Lei nº 5517/68 e artigo 1º da Resolução CFMV nº 592, além da prestação de serviços gratuitos, vedado pelo Código de Ética do médico veterinário.
O conselho esclarece na nota que o atendimento somente poderá ser gratuito em caso de pesquisa, ensino ou de utilidade pública, conforme conta no Código de Ética, bem como com aprovação pelo CONCEA (Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal).
A Vigilância Sanitária municipal autuou o consultório pela falta de licença sanitária, descarte irregular de resíduos perfuro-cortantes, presença de medicamentos controlados de linha humana armazenados em desacordo com a legislação vigente e presença de medicamentos de linha humana vencidos.
Outro lado – Ao Campo Grande News, o médico veterinário André Luis esclareceu que o local autuado é sua residência particular, onde eventualmente, atende animais com leishmaniose, mas onde não funciona uma clínica. Ele conta que foi informado que o conselho recebeu uma denúncia contra o local.
Ele terá 30 dias para se explicar da autuação e defende que por ser professor da UFMS (Universidade Federal de MS), ele usa seus atendimentos como fonte para pesquisas desenvolvidas junto a universidade. André defende que é registrado do conselho de classe, sob registro 1404, mas que a autuação foi por causa do local de atendimento, que por sua vez, não tem registro.
“Por causa das pesquisas que faço sobre a leishmaniose que atendo gratuitamente e vou continuar ajudando as pessoas e animais da mesma maneira”, afirma ele, que acredita que a ação da semana passada é uma forma de represália ao seu trabalho de tratamento da doença, visto que tanto o CRMV como a Vigilância defendem a morte induzida para esses casos.
Outro possível motivo para a autuação, segundo ele, é uma palestra ministrada por ele em Belo Horizonte há 10 dias, onde informou que iria propor uma ação civil pública contra a Vigilância Sanitária, sob multa de R$ 50 mil, pelo não tratamento dos animais com doença que pode ser tratada.
Sobre a autuação ele afirma que fará sua defesa ao conselho e que para solucionar o problema, irá abrir junto com o Abrigo dos Bichos, um consultório para tratar os animais gratuitamente. Segundo ele, haverá um médico veterinário cadastrado atuando 40 horas semanais, como manda a legislação.

Por uma nova política para o tratamento da leishmaniose

Veterinário André Fonseca: perseguido por atender gratuitamente a população carente e divulgar possibilidade de tratamento da leishmaniose.
Um ano após ter respondido a um processo ético (e ser punido) por divulgar informações pertinentes à possibilidade de tratamento da leishmaniose canina, o advogado, veterinário e pesquisador de Campo Grande (MS), André Fonseca, voltou a receber uma autuação por tratar animais gratuitamente. Desta vez, além da interdição do espaço onde fazia o atendimento – sobretudo pessoas carentes e ONGs – Fonseca foi multado em seis mil reais e responderá a processo.
Diz o Artigo 21 do Código de Ética da Medicina Veterinária que “não é permitida a prestação de serviços gratuitos ou por preços abaixo dos usualmente praticados, exceto em caso de pesquisa, ensino ou de utilidade pública”. Ora, fazer o tratamento de animais gratuitamente para pessoas que não tem condições de pagar os preços extorsivos das pets shops não é utilidade pública?
O próprio legislativo federal tem se manifestado à respeito. Um Projeto de Lei (PL 3765/12) do deputado federal Ricardo Izar, do PSD paulista, pretende obrigar o Ministério da Saúde, as prefeituras e estados brasileiros, a disponibilizar atendimento veterinário gratuito aos animais de pessoas carentes, com renda familiar inferior a três salários mínimos.
Solidários com Fonseca, protetores de animais organizados em entidades civis ou simplesmente imbuídos de amor aos animais, mas não organizados em associações ou entidades criaram um grupo no Facebook em seu apoio e iniciaram uma Petição Pública para garantir a continuidade do tratamento gratuito por ele oferecido.
Enquanto isso, o Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) e seus consortes regionais continuam perseguindo profissionais que atuam pelo bem da população e pelo bem estar dos animais.
A acusação de atender gratuitamente, no entanto, é apenas uma artimanha do Conselho Regional em Mato Grosso do Sul para coagir André Luiz a não divulgar a possibilidade de tratamento da leishmaniose canina. Hoje, a política adotada pelo Ministério da Saúde e pelo CFMV é o abate indiscriminado de animais.
Vale lembrar que o tratamento de cães com leishmaniose é permitido por decisão judicial, sendo que a portaria que tentava proibi-lo foi considerada ilegal pelo Supremo Tribunal Federal (STF.)
Muitos pesquisadores discordam desta política de massacre. Estudos apontam que a matança de cães nem mesmo controla a doença. O pesquisador Carlos Henrique Nery Costa, por exemplo, desenvolveu estudos realizados no Espírito Santo, na Bahia e no Piauí que demonstram que não houve diminuição no número de pessoas infectadas por leishmaniose com a morte de cães. Ele recomendou a suspensão do programa de eliminação de cães por falta de evidências da sua efetividade.
O doutor em parasitologia pela Universidade de Minas Gerais, Vítor Ribeiro também defende que seja dado o direito aos tutores dos cães de optar pelo tratamento. “A morte induzida do cão é realizada na Europa em cima de uma decisão do tutor, da gravidade da doença do animal, da possibilidade de ele cuidar do animal ou não, mas o tratamento assumido pelo tutor é altamente viável”, explicou.
Deputado federal, o médico Geraldo Resende (PMDB-MS) é outro que apoia esta linha de ação. Ele apresentou o projeto de lei 1738/2011, que prevê o fim da obrigatoriedade da morte induzida de animais infectados pela leishmaniose. De acordo com a proposta, o sistema de saúde pública deve implantar uma política nacional de vacinação e tratamento de animais.
Fosse uma solução eficiente, a matança de animais já teria resolvido o problema em Campo Grande. Na capital do Mato Grosso do Sul, a população canina estimada é de 150 mil cães. Destes, calcula-se que cerca de 20% tenham leishmaniose. Estima-se que de 1998 até hoje foram mortos mais de 600 mil cães na cidade. O CCZ local mata em média de 100 a 120 cães por dia. Ainda assim, um levantamento realizado com base em números do Ministério da Saúde aponta que a leishmaniose matou 194 pessoas no estado entre 2000 e 2011.
Se há estudos clínicos e pesquisas científicas atestando a possibilidade do tratamento de cães infestados pela leishmaniose, por que o Ministério da Saúde insiste na política de massacre sanitário? Para André Luiz, trata-se de uma questão de orgulho: “Essa política foi implantada há mais de 15 anos, mas os resultados não apareceram. E agora, até por uma questão de moral desses técnicos envolvidos, voltar atrás seria reconhecer incompetência. Por isso, por uma questão até de falta de brilho ético, por uma questão até de vaidade e de orgulho, eles não querem voltar atrás nessa decisão, mas eles sabem que o matança sanitária é ineficaz”, acusou.

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

CPI quer explicações do ministro da Saúde sobre combate à leishmaniose

O relator da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Maus-Tratos a Animais, deputado Ricardo Tripoli (PSDB-SP), disse que será necessário ouvir o ministro da Saúde, Arthur Chioro, para que ele explique como o ministério vem combatendo a incidência da leishmaniose visceral no País.

A CPI fez uma audiência pública nesta quinta-feira (3) para discutir formas de combater a doença sem precisar condenar cães infectados à morte.

Os cachorros não transmitem leishmaniose. Eles servem apenas de depósito para o protozoário que é transmitido por um mosquito.

Segundo o veterinário André Luís Soares, que é integrante da Comissão de Meio Ambiente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o País é o único do mundo que autoriza a eutanásia de animais como forma de controle da leishmaniose, o que, segundo ele, não é eficaz.

Falhas em exames

A mesma opinião tem o veterinário Paulo César Tabanez, do Grupo de Estudos sobre Leishmaniose Animal, que afirmou que os exames sorológicos podem apresentar falhas. Ele citou um inquérito sorológico realizado pelo governo em Belo Horizonte: de 400 mil animais testados, quase 13 mil apresentaram reagentes, mas não estavam infectados; e 2 mil deram resultados negativos, mas estavam infectados.

Tabanez criticou a eutanásia. "Certamente nós temos muitos animais sacrificados, eutanasiados nesse processo de canicídeo com exames inadequados ou com uma condução inadequada."

Segundo ele, outras políticas públicas podem ser tomadas, como o uso de repelentes, vacinação individual, educação em saúde e educação ambiental.

Risco à saúde humana

Já o representante do Ministério da Saúde na audiência, Renato Vieira, afirmou que a Organização Mundial da Saúde (OMS) permite que as medidas de controle sejam adequadas à realidade local.

"Manter um animal infectado em determinado ambiente é um risco à saúde dos seres humanos como até dos outros animais. Manter um animal simplesmente ali não é possível. O tratamento desse caso é um aspecto muito delicado”, disse Vieira.

“O entendimento é que esse animal não pode permanecer nesse ambiente sem a adoção de estratégia nenhuma. A alternativa seria ou a eliminação ou o tratamento. E o tratamento é um tema extremamente complexo", afirmou.

Inseticida e coleiras

Além da eutanásia, há outras medidas de controle. Em 2013, por exemplo, 213 mil imóveis pelo País receberam inseticida contra o mosquito que transmite a doença.

Outra medida é o uso de coleiras com deltametrina, o inseticida que combate o mosquito. Atualmente, 313 mil coleiras estão sendo testadas em cães de 13 municípios de oito estados. Até o final do ano, devem sair os resultados dos testes, que podem possibilitar a aplicação de coleiras.

O Brasil teve 3.453 casos da doença no ano passado, 58% no Nordeste, onde a doença é conhecida como calazar. Quatro em cada dez vítimas são crianças de até 9 anos de idade. O índice de mortalidade é baixo, 7 em cada 100 infectados morrem.

Segundo o Ministério da Saúde, 4.280 municípios não tiveram registros de casos de leishmaniose. Eles representam 76,8% dos munícipios brasileiros. Outros 1.035 tiveram casos esporádicos e 2,7% (150 municípios) tiveram casos intensos.

Explicações do ministro

A audiência com o ministro da Saúde está marcada para 22 de setembro. O relator, Ricardo Tripoli, afirmou que, se o ministro não comparecer à CPI, ele poderá ser convocado. “Se ele não vier, nós vamos convocá-lo, porque não há sentido o ministro não comparecer a uma audiência com a preocupação que nós temos”, declarou.

quinta-feira, 4 de junho de 2015

TRF3 proíbe eutanásia em cães com Leishmaniose

(Foto: Kísie Ainoã/ Arquivo)
Para desembargadores federais, prática infringe princípios constitucionais, podendo provocar mal estar na comunidade

Os órgãos públicos de Campo Grande, estado de Mato Grosso do Sul (MS), estão impedidos de utilizar a eutanásia como meio de controle da leishmaniose visceral nos cães do munícipio. A determinação é da 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) que deu provimento a agravo de instrumento interposto pela organização não governamental (ONG) Sociedade de Proteção e Bem Estar Animal - Abrigo dos Bichos.

 O acórdão, baseado em jurisprudência do TRF3 e de tribunais superiores, destaca que a medida se mostra desacertada e desguarnecida da necessária razoabilidade e proporcionalidade, as quais devem pautar os atos da administração pública. A medida vai também contra dispositivos constitucionais relativos ao direito de propriedade, vedação à violação do domicílio e à pratica de crueldade contra animais, provocando desconforto e a ira da comunidade. 

Para os magistrados, ao invés de utilizar da prática da extinção dos animais, o poder público deveria adotar providências para erradicar os focos (criadouros) do vetor (Lutzomyialongipalpis) da transmissão do protozoário que infecta humanos e animais. Deveria também promover pesquisas com medicamento já usado em outros países para a cura das vítimas da doença. 

“Infelizmente, dos 88 países do mundo onde a doença é endêmica, o Brasil é o único que utiliza a morte dos cães como instrumento de saúde pública; ou seja, o Brasil ainda viceja numa espécie de "Idade Média" retardatária, onde a preocupação é eliminar ou afastar a vítima e não o causador da doença ("mosquito-palha", nome científico Lutzomyialongipalpis) que espalha o protozoário Leishmania chagasi”, salientou o desembargador federal Johonsom di Salvo, relator do processo no TRF3. 

A ONG protetora dos animais havia ajuizado a ação civil pública em 2008, visando impedir que a Prefeitura utilizasse a prática da eutanásia canina como meio de controle da leishmaniose visceral. A liminar foi concedida para impedir o poder público de sacrificar animais à força, porém, posteriormente, o juiz da 1ª Vara Federal de Campo Grande reconsiderou a decisão para revogá-la em parte. 

O recurso chegou ao TRF3 que manteve a suspensão da eutanásia. No acórdão, proferido na quinta-feira (28/05/2015), os desembargadores decidiram pela proibição da prática na capital sul-mato-grossense, acolhendo o pedido da ONG, “evitando-se a tomada de drásticas e irreversíveis medidas de controle, sem possibilidade de reparação para os cidadãos”. 

Caráter humanitário 

Para o desembargador federal relator Johonsom di Salvo, a prática adotada para controlar a doença pelo poder público no município de Campo Grande ofende de modo brutal o artigo 225, parágrafo 1º, inciso VII, da Constituição Federal. “Não tem o menor sentido humanitário a má conduta do município em submeter a holocausto os cães acometidos de leishmaniose visceral (doença infecciosa não contagiosa), sem qualquer preocupação com a tentativa de tratar dos animais doentes e menos preocupação ainda com os laços afetivos que existem entre humanos e cães, pretendendo violar o domicílio dos cidadãos sem ordem judicial para, despoticamente, apreender os animais para matá-los”. 

No relatório, o magistrado questiona a eficácia do extermínio de cachorros como forma de combater a leishmaniose adotado pela Saúde Pública desde 1953. Centenas de milhares de animais já teriam sido exterminados dessa maneira e as estatísticas da contaminação canina aumentam anualmente. Para ele, há outros métodos para se lidar com a enfermidade.

 “A ação do Poder Público - incompetente para evitar a proliferação do lixo onde viceja o mosquito vetor da doença - não impede que o proprietário ou um terceiro tratem do animal, o que pode ser feito com medicação relativamente barata (Alopurinol, Cetoconazol, Levamizol, Vitamina A, Zinco, Aspartato de L-arginina e Prednisona), sem que se precise recorrer a uma medicação específica para os animais (Glucantime) que no Brasil é proibida, enquanto no mundo civilizado (Espanha, França, Itália e Alemanha) está à venda para o tratamento dos animais”, argumentou.

 Por fim, ele recomenda que o poder público permita que o animal seja tratado sob a supervisão e responsabilidade de médico veterinário. “Convém aduzir que os órgãos públicos não podem proibir - especialmente através de atos normativos inferiores à lei em sentido formal - que os donos dos animais e os médicos veterinários procurem tratar os animais doentes, antes de optarem pela irreversibilidade do sacrifício do animal”, concluiu.